Dos 44 jogadores que vão iniciar as duas finais continentais do fim de semana, os dois melhores vão se exibir no Maracanã. Após um bem realizado exercício de sabotagem do próprio produto, a Conmebol terminou por receber como prêmio uma decisão do tamanho de Brasil x Argentina, e um encontro entre Messi e Neymar.
Como se não bastassem a excessiva frequência do torneio, o regulamento, os gramados e o improviso de uma competição que encontrou abrigo no Brasil, a Copa América ainda lidou com o contraste com uma Eurocopa cuja embalagem emitia sensações opostas, dos ótimos campos aos estádios com gente. O resultado foi um grande pecado: colocar na sombra o futebol que Messi e Neymar jogaram nestas quase quatro semanas. Raras vezes os dois tiveram, por suas seleções, sequências de atuações tão notáveis.
Neymar, por seus equívocos e pelas distorções naturais do julgamento humano, cultivou um personagem que turva a avaliação do jogador. Uma fratura na costela o afastou de uma Copa do Mundo em que era espetacular aos 22 anos, um pé quebrado o impediu de jogar na plenitude quatro anos depois e, em 2019, o tirou também da Copa América vencida em casa. Neymar foi protagonista de conquistas da seleção neste mesmo Maracanã, mas ainda persiste a sensação de estar em dívida, como num permanente embate entre o jogador e o personagem. Talvez vencer a Copa América não baste para redimi-lo, mas não é difícil prever que uma derrota seria debitada em sua conta pessoal.
Há quase 15 anos, Messi produz peças magistrais de futebol em bases quase semanais: banalizou o extraordinário como poucos na história do jogo. Mas sua obra se construiu em plena contagem dos anos de jejum da seleção argentina. Num país que vive a paixão e o resultadismo em doses tão irracionais quanto o Brasil, foi como se toda a seca de troféus do futebol argentino fosse obra de Messi, assim como a responsabilidade de solucioná-la. As frustrações deram margem às narrativas mais tolas, como a tese de que a carreira construída na Europa o deixara insensível aos anseios nacionais. Hoje, aos 34 anos, um dos maiores jogadores de futebol da história vive uma espécie de corrida contra o tempo, como se cada final pela Argentina fosse uma última chance, uma oportunidade talvez irrepetível. É como se o jogador seis vezes eleito melhor do mundo, ganhador de três ligas dos campeões e de uma interminável lista de troféus, jogasse nos 90 minutos de amanhã, no Maracanã, algo além de uma decisão de Copa América, mas uma decisão em torno do seu legado no país onde nasceu: se será lembrado como o supercraque que venceu ou o que falhou. É cruel, mas o futebol e a vida por vezes o são.
Uma Copa América cercada pela insensatez, terminou por ser salva por Brasil, Argentina, Neymar e Messi.