CONJUGO VOBIS
Arthur Azevedo
A formosa Angelina, filha do Seabra, tinha um namorado misterioso, que via passar todas as tardes por baixo das suas janelas. Era um bonito rapaz, dos seus trinta anos, esbelto, elegante, sempre muito bem trajado, sobrecasaca, chapéu alto, botinas de bico fino, bengala de castão de prata, pincenê de ouro. Limitava-se a cumprimentá-la sorrindo. Ela sorria também, para animá-lo, mas, qual! O moço parecia de uma timidez invencível, e o romance não passava do primeiro capítulo.
– Com certeza, um rapaz bem colocado, pensava Angelina, mas o diabo é que não se explica, e não hei de ser eu a primeira a chegar à fala!
Afinal, um dia, passando, como de costume, ele atirou para dentro do corredor da moça um bilhete em que estavam estas palavras: "Amo-a, e desejava saber se sou correspondido."
No dia seguinte, ele apanhou a resposta, que ela atirou à rua: "Não posso dizer que o amo, porque não o conheço, mas simpatizo muito com a sua pessoa. Diga-me quem é."
* * *
Nessa mesma tarde, por uma dessas fatalidades a que estão sujeitos os corações humanos, o Seabra, pai de Angelina, entrou em casa como uma bomba, esbaforido, carregado com muitos embrulhos, suando por todos os poros, e intimou a esposa e a filha (eram toda a sua família) a fazerem as malas, porque, no dia seguinte, às 5 horas da manhã, partiam para Caxambu.
– Mas isto assim de repente! – Protestou a velha. – Vai ser uma atrapalhação!
– Não quero saber de nada! O médico disse-me que, se eu não partisse imediatamente para Caxambu, era um homem morto! Eu devia até seguir pelo noturno! Estou com uma congestão de fígado em perspectiva!
Angelina ficou desesperada por não ter meios de prevenir o moço e lá partiu para Caxambu, com o coração amargurado.
* * *
Não a lastimem, compadecidas leitoras: com 10 dias de Caxambu Angelina tinha se esquecido completamente do namorado. Isso não foi devido aos efeitos das águas, que não servem para o coração como servem para o fígado, mas à presença de um rapaz que estava hospedado no mesmo hotel que a família Seabra e, em correção e elegância, nada ficava a dever ao outro.
Era um médico do Rio de Janeiro, recentemente formado, moço de talento e de futuro, que, de mais a mais, tinha fortuna própria.
O Seabra, que estava satisfeito da vida, porque o seu fígado melhorava a olhos vistos, acolheu com entusiasmo a ideia de um casamento entre Angelina e o jovem doutor, e era o primeiro a meter-lhe a filha à cara.
Em conclusão, o casamento foi tratado lá mesmo, sob o formoso e poético céu do Sul de Minas, para realizar-se, o mais breve possível, na Capital Federal.
* * *
Regressando das águas, onde se demorou um mês, Angelina viu passar o primeiro namorado, que olhou para ela com uma expressão de surpresa e de alegria, mas a moça fechou o semblante. O semblante e a janela. E, para nunca mais ver passar o importuno, deixou dali em diante de debruçar-se no peitoril.
* * *
No dia do casamento, os noivos, as famílias dos noivos, as testemunhas e os convidados lá foram para a pretoria.
– Tenham a bondade de esperar–- disse-lhes o escrivão. – O doutor não tarda aí.
Sentaram-se todos em silêncio, e, pouco depois, o pretor fazia a sua entrada solene.
Angelina, ao vê-lo, tornou-se lívida e esteve a ponto de perder os sentidos. Ele estava atônito e surpreso. Era o primeiro namorado.
O mísero disfarçou como pôde a comoção, e resignou-se ao destino singular que o escolhia, a ele, para unir a outro à mulher que o seu coração desejava.
* * *
Quando todos os estranhos se retiraram, ficando na sala da pretoria apenas o juiz e o escrivão, este perguntou àquele:
– Que foi isso, doutor? O senhor sofreu qualquer abalo! Não parecia o mesmo! Que lhe sucedeu?
O moço confiou-lhe tudo.
O escrivão, que era um velhote retrógrado e carola, ponderou:
– Ora, aí está um fato que só se pode dar no casamento civil; no religioso, é impossível.