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— Quando entrei para receber o título fui parada três vezes. Me indicavam a ala de convidados. Quando enfim fui chamada ao palco, todos se levantaram e aplaudiram em pé. Eu não entendi o que tinha feito para tamanha homenagem. Pensei: "Será que é porque sou negra?" — lembra.
Formada principalmente por homens brancos, a Academia havia sucumbido à aplicada, alegre e falante chef brasileira.
Célia acredita que a informação sobre ela ganhou impulso nas redes sociais com a discussão do racismo e da violência contra os pretos, após os protestos iniciados ano passado pela morte de George Floyd por um policial de Mineápolis (EUA) e a campanha Black Lives Matter, que ganhou o mundo.
— A questão racial está mais presente na vida das pessoas. O empoderamento feminino também. Imagino que seja isso — diz ela.
Célia nasceu em Barra Bonita, município do interior de São Paulo às margens do Rio Tietê. Filha de um mecânico e uma empregada doméstica, Celinha se destacou desde cedo pela aplicação nos estudos. Era sempre a primeira da classe, a oradora da turma, a que lia poesias.
— Desde cedo me acostumei à diversidade. Minha casa em Barra Bonita era uma babilônia o tempo todo. A gente sempre conviveu com todo mundo.
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Jovens gays que não sabiam como falar com os pais, nordestinos que iam morar na cidade para trabalhar no corte de cana de açúcar, dona Ditinha era amada por todos. Não tinha separação. E foi isso que a filha aprendeu.
Aos 17, Celinha concorreu com 300 jovens e conseguiu uma das duas bolsas de intercâmbio da ONG AFS, criada no pós-guerra e que tem como missão permitir entendimento entre diferentes culturas, contribuindo para evitar conflitos. Por um ano, morou com uma família negra na Carolina do Norte, nos EUA, muito parecida com a sua própria família — ambas tinham seis filhos. Foi lá que, pela primeira vez, teve um quarto só dela.
A casa, num condomínio habitado principalmente por famílias negras, era enorme e a adolescente brasileira mantinha seu quarto com exímio cuidado e limpeza. Tanto fez que o cômodo virou ponto "turístico" para as visitas da mãe americana.
— O quarto da minha irmã parecia um depósito de lixo. E eu passava as manhãs de sábado limpando e organizando meu quarto. Estava acostumada a fazer isso no Brasil. Aprendi a dar valor a tudo o que conquisto. Estar nos Estados Unidos era uma conquista e eu tinha que valorizar aquilo, inclusive ter um quarto só meu — relembra.
Foi depois da festa de aniversário dela que ouviu a única observação da mãe: "Da próxima vez que for trazer tantos brancos para a nossa casa me avisa antes".
— Eu via a diferença no refeitório da escola. Tinha o grupo de brancos de um lado, de pretos de outro. Mas tinha no meio um grupo misto, que se gostava, e era nele que eu ficava — conta Celinha.
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De volta ao Brasil, mesmo com inglês fluente, só conseguiu em sua cidade um emprego de caixa num supermercado.
Foi incentivada pelas irmãs mais velhas a morar na capital paulista, com os tios. Conseguiu o primeiro trabalho como secretária numa empresa de peças para elevadores. Poucos meses depois foi selecionada para lecionar inglês numa rede de escola de idiomas. A escola pagou sua faculdade de tradutora e intérprete.
Ganhava bem e já morava sozinha quando, em 2001, saindo de um período de fossa por ter terminado um namoro, foi com uma amiga num bar da fervilhante Vila Madalena, na zona Oeste de São Paulo. Lá começou a trocar olhares com Gustavo Dalla Colletta de Mattos. Na saída, escreveu o telefone num pedaço de papel e entregou a ele.
Gustavo achou que era número falso. Mas guardou e ligou. Era dia de festa de Halloween na escola onde Celinha lecionava e ela chamou Gustavo para ir. Nunca mais se desgrudaram. Publicitário, empreendedor e filho de um industrial do ramo de cosméticos, Gustavo passou a frequentar a casa dela. Na dele, havia cozinheira. Na dela, os dois é que tinham de se virar na cozinha, revelando a alma de chef da dupla.