“Se uma pessoa não pensa, não sabe o que fala nem compreende o que lhe dizem. Discutir com ela é impossível.”
Festa no céu
A rainha chega ao céu. São Pedro se curva ao lhe abrir a porta. Deus dá um abraço carinhoso à amiga de infância. Elizabeth II, coroa na cabeça, circula com intimidade entre a realeza celeste.
Atento, o dono da casa a observa. Tem uma curiosidade. Leu, na telinha da GloboNews, que o corpo de Sua Majestade chega “a palácio”. “Por que não ‘ao palácio’”, pergunta o Senhor.
As duas formas existem, mas se empregam em contextos diferentes. Usa-se ao palácio se a pessoa visitou a casa do todo-poderoso. É o caso do turista. E a palácio se a pessoa foi lá a serviço. É o caso da rainha. Antes de descansar, cumpre protocolo rigoroso.
Por quê?
Realeza se escreve com z; inglesa, com s. Por quê? A resposta não está na pronúncia. Nos dois vocábulos, o som é o mesmo. A diferença tem tudo a ver com a formação das palavras. Desde os primeiros anos de escola, estudamos o assunto. Mas dúvidas persistem, sobretudo na cabeça de quem não tem o hábito da leitura.
Embora poucas, há regras que quebram um senhor galho na hora de desatar nós. Uma delas explica por que realeza se escreve com z. O sufixo -eza forma substantivos abstratos derivados de adjetivos: belo (beleza), certo (certeza), cru (crueza), grande (grandeza), mal (malvadeza), safado (safadeza), limpo (limpeza), sutil (sutileza).
A palavra inglesa joga em outro time. É adjetivo derivado de substantivo. No masculino, o s também aparece: burgo (burguês, burguesa), Escócia (escocês, escocesa), Portugal (português, portuguesa).
Superdica
Na dúvida, pare e pense. A palavra deriva de adjetivo ou de substantivo? Se derivar de substantivo, dê passagem ao s. Se de adjetivo, ao z. A origem é a chave do enigma.
Mesmo time
A norma vale para o sufixo -ez. Veja: altivo (altivez), honrado (honradez), lúcido (lucidez), macio (maciez), mudo (mudez) surdo (surdez), sensato (sensatez).
Melhor
O léxico português tem mais ou menos 500 mil palavras. Elas estão à disposição do falante, que escolhe uma ou outra de acordo com o contexto ou o domínio linguístico. As cerimônias decorrentes da morte da rainha servem de exemplo. Repórteres falavam em féretro. Deixaram caixão pra lá. Pena! Perderam a naturalidade.
Pêsames
A palavra pêsames pertence à família de pesar (causar dor, pena). É irmã de pesaroso. Nasceu da terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo pesar + o pronome átono me: pesa-me. Mais tarde, perdeu o hífen e ganhou o s. Hoje só se usa no plural como férias, núpcias, condolências, anais, óculos, olheiras.
Chegar
“Corpo da rainha chega na catedral”, disse o correspondente. No caminho, tropeçou na língua. Bateu sem piedade na regência do verbo. A gente chega a algum lugar: O navio chegou a Santos. O presidente chegou a Londres. O corpo da rainha chega à catedral.
Leitor pergunta
“Bolsonaro havia aceito o convite para ir ao funeral da rainha”, escreveu o jornal. O emprego do particípio “aceito” me deixou confuso. Está correto?
Jonas Souza, Floripa
Existem verbos que se apresentam em dose dupla. Abundantes, têm duas formas no particípio. Uma delas, a regular, é comum. Termina em -ado (matado) e -ido (extinguido). A outra, irregular, é menos vulgar. A danadinha é magra e reduzida (morto, extinto).
Na língua, há muitos verbos com duplo particípio. Eis alguns: aceitar (aceitado, aceito), entregar (entregado, entregue), expressar (expressado, expresso), expulsar (expulsado, expulso), matar (matado, morto), salvar (salvado, salvo), soltar (soltado, solto).
Quando usar um ou outro? Depende do auxiliar. O ter e haver formam os tempos compostos. Exigem o particípio regular (o terminado em -ado ou -ido). O ser e o estar são louquinhos pelo irregular. Sempre que ele aparece, eles ficam com ele: Bolsonaro havia aceitado o convite. O convite foi aceito.