RIO — Desde que explodiu como uma das mais celebradas autoras do país, Conceição Evaristo tem sido tão solicitada que demorou dois anos e meio para terminar seu novo livro, “Canção para ninar menino grande” (Editora Unipalmares). Vencedora do Prêmio Jabuti em 2015, com a reunião de contos “Olhos d’água”, e do Faz Diferença/Literatura, do GLOBO, em 2016, a autora mineira virou a atração mais desejada de nove entre dez festivais literários do país, deu palestras pelo mundo e teve sua candidatura lançada à Academia Brasileira de Letras.
Na semana passada, no Rio, ela deu palestra na Aliança Francesa, participou do Festival Mulheres do Mundo, ministrou oficinas de escrita e viajou para a 6ª Festa do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra (Flinksampa), em São Paulo, onde é homenageada e lança “Canção para ninar...”.
Entre um compromisso e outro, posou para O GLOBO na esquina da Rua da Conceição com Rua Júlia Lopes de Almeida (a grande autora carioca que foi barrada na ABL após participar ativamente da sua fundação) e subiu até o Morro da Conceição. Reconhecida durante a caminhada, foi parada por fãs, recebeu convites para cafés e pedidos de selfie... Houve até um grupo que desceu do táxi antes do fim da viagem para que ela pudesse voltar para casa.
Com toda essa moral, Conceição diz estar curiosa para saber como o público irá receber seu novo livro. Isso porque o romance — quinta obra de ficção da autora— pode soar um pouco diferente aos leitores habituados à escrita dela. Conhecida por colocar suas experiências pessoais e subjetividades de mulher negra nas histórias, a autora parece concentrar-se agora num personagem masculino.
Um pequeno ‘twist’
Fio Jasmim é um ferroviário negro que coleciona mulheres por onde passa. Machista, é o tipo de sujeito que escolhe uma mulher para casar e trata as outras como “brincadeiras”. Há, porém, um pequeno twist . A figura de Jasmim se desenha pela lembrança de suas amadas. E, se a princípio pode parecer que a masculinidade está no centro da história, logo se vê que é o contrário. O que faz Jasmim existir como personagem é justamente o olhar que essas mulheres têm sobre ele. Suas capacidades de vocalizar as marcas deixadas pelo Don Juan irresponsável.
— O homem acaba ficando no centro da cena, mas só porque está sendo falado pelas mulheres — argumenta Conceição. — Esse homem é, na verdade, extremamente só. Ele se vê despido no centro da cena e logo percebe-se que são as mulheres que estão no comando, que definem o espaço que o homem tem na vida delas. As mulheres mostram-se mais fortes do que ele.
Como se vê, as coisas são mais complexas do que parecem. E o próprio Jasmim, com suas fragilidades, foge do estereótipo de cafajeste. Ao fazer amizade com uma mulher lésbica, questiona sua relação com o sexo oposto e tem seu momento de desconstrução.
Diversidade na ABL
A interseção entre racismo e machismo é outro ponto importante de “Canção para ninar menino grande” . “A única hora em que homem negro está par a par com o homem branco é a hora em que ele exerce o seu machismo”, cita Conceição Evaristo.