Primeiro, pintar na tela, agrinaldando a moldura,
Um cerca de arame com saia de xiquexique
Um trecho de pau a pique e uma cancela escancarada.
Pintar um chão nacional ou mesmo desnacional
Mas que seja um chão de paz
E nunca um chão ofendido, pisoteado de guerra.
Depois, tirando defunto,
Retratar fatos e coisas vividas e inanimadas
Desde sempre transportadas nas cacundas dos jumentos:
Cangalha, lastro, carroça, arado de plantação
Tijolo, barro, arame, lenha, água, pedra e cal
Toda nação de safra de produção sertaneja
Traste minguado, vaqueiro
Matuto passarinheiro, noivos, menino, mulher
Vigário, bispo, Jesus…
Depois, recostar o quadro no tronco dum juazeiro
Daqueles bem prazenteiros
Vizinho a qualquer basculho.
Daí a pouco, a um nada
Ou pouco mais que um pouquinho
Chega, a passo de cágado, nosso esperado burrinho.
Quando ele entrar no cercado,
Deixar soprar na cancela um ventinho “arriba a saia”,
E a cancela vai de vela no rumo do batedor: Pááá!
Depois do jumento preso, se o cabra for bom pintor
Tem que mostrar seu valor desconstruindo o cercado:
Despintar, uma por uma, a rigidez das estacas
Todas as pautas de arames
Apagar todos os fardos que lhe pesaram no lombo
E acrescentar ao desenho algo de simples e belo:
Uns rebentos de capim
Mutirões de cacarejos
Voejos de passarim
E uma terra fértil e preta
Feito chão de rezadeira.
Pra cena ficar mais rica
Transparente e verdadeira,
Bem lá no fundo do quadro,
Pintar um pouco de acaso:
Uma manhã de sol morno
Uma aconchegança brejeira
E um balde de leite fresco
Cheirando à vaca por dentro
Mugindo um sopro entoado.
Com o panorama pintado
Dar, em forma de assobio,
Um siu! De chamar “Roxim”
E esperar o resultado.
Se o jumento erguer orelhas
E fitar você de lado
É sinal que o quadro é bom
E pode ser assinado.
Basta arrancar levemente
De ligeiro amaciado
Três cabelinhos de rabo
E rabiscar de renome
Seu nome e seu sobrenome
Bem no cantinho do quadro.