Para que todos se recordem desse grande amigo, aqui vai a primeira homenagem que lhe fiz:
DO LIVRO DE BALSAS PARA O MUNDO
COMANDANTE PUÇÁ
Raimundo Floriano
Publicada em 10.12.16
José Rodrigues dos Santos, o Puçá
A foto que ilustra este capítulo foi-me enviada pelo personagem-título, assim como sua rica biografia, em seis laudas manuscritas.
José Rodrigues dos Santos, o Puçá, nasceu em Floriano, no dia 08.05.1922, filho de Laurentino Rodrigues dos Santos e Cezária Maria da Conceição. O apelido, que ele adotou e que o identifica até hoje, vem da fruta silvestre do mesmo nome, de cor azeviche, saborosa e rara.
Aos 10 anos de idade, ficou órfão de pai e mãe. Dona Cezária morreu em decorrência de males oriundos de sua intensa exposição ao calor nas bocas dos fornos das olarias onde trabalhava. Seu Laurentino, vítima de infecção no calcanhar, provocada pela mordida dum gato, no rabo do qual pisara.
Seu irmão mais velho, de um total de sete, Fernando, já casado e com três filhos, residente em Uruçuí, sabendo os demais irmãos desamparados, foi buscá-los. A viagem de volta, num percurso de 208 km, foi feita a pé, levando seis dias na caminhada. Um dos pousos foi a Fazenda Brejo, antiga propriedade do meu avô paterno, Capitão Pedro José da Silva, hoje em poder do meu primo Airton, médico residente em Teresina, filho do Comandante João Clímaco, meu Tio Joãozinho, também personagem deste livro.
A família do Puçá está, desde o início dos anos 50, intimamente ligada à minha. Fernando é o pai da Maria Júlia, que foi morar conosco em 1951, ainda menina, sendo, praticamente, criada por Maria Bezerra, minha mãe. Seguiu ela com minha irmã Maria Alice para Engenheiro Dolabela-MG, quando esta se casou, acompanhando-a nas mudanças para Brotas-SP, Anápolis-GO, e, finalmente, Balsas. Em 1974, veio cuidar de minha residência aqui em Brasília. Mais tarde, casou-se com Odílio Silva, antigo craque da Seleção Balsense de Futebol, com o qual teve um filho, o Reinaldo, meu afilhado, engenheiro da computação, todos residentes em Anápolis, ela aposentada pelo INSS. Maria Rodrigues, irmã do Puçá, veio a ser um forte esteio para a minha gente em Balsas, nas ocasiões mais delicadas. Fechou os olhos de minha mãe, quando do seu último suspiro, tendo-a velado como se parente fosse. Igualmente, esteve à cabeceira de Rosa Ribeiro, meu pai, até que expirasse. Desde 1966, constituiu-se em amiga, conselheira, companheira, praticamente mãe de minha irmã Maria Alice, falecida de mal súbito em 2002. Hoje, Maria Rodrigues, funcionária estadual aposentada, reside em Balsas, na aconchegante casinha com que Maria Alice a presenteou.
Puçá e Maria Rodrigues, em foto recente
Puçá, chegando a Uruçuí, começou, ainda menino, a trabalhar em olarias. Dois dos seus irmãos, Adelino e Cezário, entraram para a Marinha Mercante e ganharam o mundo, viajando sem parar. Devido ao fato de não se dar bem com a cunhada, Puçá, em 1937, aos 15 anos de idade, fugiu com boiadeiros que iam comprar gado em Goiás. Levaram eles, a pé, 30 dias de Uruçuí a Porangatu que, na época, se chamava Descoberto.
Ali, compraram 350 bois e rumaram para o Peixe, à margem esquerda do Rio Tocantins, onde compraram mais 350, tocando a boiada rumo à Paraíba, em viagem que durou nove meses. Chegaram ao destino com o desfalque de 50 bois: alguns serviram de alimento para os boiadeiros, outros morreram envenenados por ervas daninhas ou picadas de cobras, e houve os que cansaram na longa caminhada ou sumiram mato adentro. A boiada foi vendida ao Coronel Sizenando, na Fazenda Canto do Feijão, perto do Litoral Paraibano, por um valor sete vezes superior ao pago em Goiás. Todos os da comitiva regressaram de pau de arara para Uruçuí.
Naquela cidade, foi morar com o Dr. Auzônio Del Século Carneiro da Câmara, Juiz de Direito da Comarca, que o acolheu como se seu filho fosse. Em 1940, aos 18 anos, dele obteve permissão para ingressar na Marinha Mercante.
Embarcou na lancha Nazira, mais tarde renomeada Rosicler, sob as ordens do Comandante Antônio Fernandes.
Prosseguindo na Marinha Mercante, iniciou sua carreira como taifeiro – espécie de criado de bordo – nos vapores 15 de Novembro e Joaquim Cruz, então propriedades do armador Petrônio Oliveira, no vapor Afonso Nogueira e na já mencionada lancha Rosicler, ambos propriedades do armador Afonso Macedo Nogueira.
O empresário Afonso Nogueira era um idealista empreendedor e arrojado. Natural do Ceará, com atividade comercial diversificada, montou seu próprio estaleiro em Floriano e ali construiu o vapor que levou seu nome e a lancha Nazira, por encomenda do árabe Amado Bucar, residente em Balsas, depois batizada Rosicler ao mudar de dono. Apenas as máquinas vieram da Inglaterra, de onde foi também importada a maioria das embarcações a vapor da época.
Vapor Afonso Nogueira - Acervo Teodoro Sobral Neto
Puçá serviu em várias delas sob o comando do Prático João Sambaíba, que o elevou da categoria de taifeiro à de moço de convés – marinheiro raso. Mais tarde, Sambaíba o promoveu a mestre de convés – que chefia e orienta os moços de convés. Com o passar do tempo, Puçá aprendeu a pilotar.
Querendo vê-lo progredir na carreira, Sambaíba o liberou para um curso na Capitania dos Portos de Parnaíba, do qual Puçá se saiu com brilhantismo, obtendo a Carta de Praticante de Prático.
Com essa credencial, serviu em várias embarcações pelo período de um ano, após o que seus irmãos Adelino e Cezário, que já trabalhavam na FRONAPE – Frota Nacional de Petroleiros –, de passagem por Floriano, o orientaram a fazer o Curso de Aperfeiçoamento. Dessa forma, Puçá rumou com os irmãos para o Rio de Janeiro, de onde, já como aluno, embarcou num dos navios da FRONAPE, na rota Rio de Janeiro – Belém – Rio de Janeiro. De volta ao Rio, terminado o curso, os dois irmãos lá o deixaram e seguiram para a Inglaterra. Não querendo acompanhá-los, Puçá voltou para Floriano, onde recomeçou a navegar em embarcações de água doce.
De posse da Carta de Prático, expedida pela Capitania dos Portos de Parnaíba, Puçá exerceu sua profissão pilotando e comandando no trecho Balsas-Parnaíba, e em outros pontos, como adiante se verá.
No dia 25 de dezembro de 1951, casou-se com Adelina Souza Dourado, tendo como padrinhos o Comandante Luiz Barbosa e sua esposa, Maria Correia de Albuquerque, a Donamaria, em cerimônia civil realizada na residência do Sr. Olindo Solino e presidida pelo Juiz Suplente Gabriel Miranda, tendo Emigdio Rosa e Silva, o Rosa Ribeiro, meu pai, como escrivão. No religioso, a celebração ficou a cargo do Padre Clóvis Vidigal, na Igreja Matriz de Santo Antônio de Balsas.
Desse casamento, nasceram-lhes os filhos José Filho, Laurentino Neto, Gregória e Mária de Fátima, dos quais Laurentino, policial, é o único sobrevivente.
Na linha Balsas-Parnaíba, navegou nas embarcações abaixo relacionadas.
Vapores: Joaquim Cruz, 15 de Novembro, Afonso Nogueira e Rio Balsas, este propriedade de Félix Pessoa, residente em Teresina.
Vapor Rio Balsas
Lanchas: Palmira, Rosicler, Rio Poty e Marabá, esta pertencente ao Comandante Wenceslau Ribeiro.
Lancha Palmira
Motores: João Fernandes, propriedade de João Clímaco da Silva; Cidade de Balsas, propriedade de Hélio Fonseca e José Lima Filho, o Seu Lima; Princesa Isabel, propriedade de Alexandre Pires e Jacques Pinheiro Costa; Boa Esperança, propriedade de Dejard Queiroz; Pedro Ivo, propriedade de Cazuza Ribeiro, e Ubirajara, propriedade de Cazuza Ribeiro e Luiz Barbosa, que foi a pique em fevereiro de 1957, em naufrágio no qual morreram cinco pessoas por afogamento e marcou o encerramento de sua carreira náutica naquelas paragens.
Motor Ubirajara e Barca Macapá, na rampa de Balsas
Acervo do autor
Motor Princesa Isabel
Por essa época, era também o começo do fim da intensa navegação fluvial na Bacia do Parnaíba, posto que, em 1959, já se cogitava da construção da Barragem de Boa Esperança.
Em meados de 1957, na busca por outro meio de vida, Puçá mudou-se com a família para Goiânia e, em 1958, para Brasília, ainda em construção. Tão logo aqui chegou, foi convidado pelo empresário Boli Pierre de Santana, para se aventurarem pelas águas da Região Amazônica. Convite aceito, Boli comprou o motor Cisne Branco, no qual Puçá navegou pilotando e comandando. Houve também o vapor Barão de Cametá, na linha Belém-Cametá, no Baixo Amazonas, propriedade de um certo Sr. Kalil, residente em Belém. Após cinco anos navegando naquela Região, Puçá retornou para Brasília, onde fixou residência definitiva.
Na Capital Federal, com o conhecimento e a amizade adquiridos durante sua longa vida de navegante, foi-lhe fácil conseguir colocação. Primeiramente, no Clube do Congresso e, posteriormente, na FUNAI – Fundação Nacional do Índio –, onde se aposentou.
Mas não pensem que o velho marinheiro se contentou com o sedentarismo proporcionado pela inatividade bem-remunerada. Longe disso!
Constantemente, é ele convocado pela companheirada para se embrenharem nas matas e rios dos Estados de Goiás, Tocantins e Mato Grosso, em pescarias e caçadas que chegam a durar semanas.
Em Brasília, Puçá mantém vasto círculo de relacionamento afetivo com todos os que vieram das plagas por onde navegou, principalmente com os balsenses, sendo presença infalível em todas as festas que realizamos.
Sou parte integrante de um pouco dessa bonita história. Minha primeira viagem na vida foi feita no motor Pedro Ivo, com destino a Floriano, em fevereiro de 1949, no qual Puçá, aos 27 anos, já era um dos importantes marinheiros. Novamente, em dezembro de 1951, no mesmo motor, subi de Teresina a Balsas, em animadíssima jornada, conhecida na época como a viagem dos estudantes em férias.
Motor Pedro Ivo
Puçá é um preciosíssimo arquivo da memória do nosso saudoso tempo de estudante e de menino matuto do sertão sul-maranhense.
E como última homenagem, o foxe Adeus, de Felisberto Martins e Henrique Mesquita, na voz de Gilberto Alves: