Jabuticabeira – um antro de semvergonhice
Aquele calor matinal, com a temperatura beirando os 30 graus. De repente, sem mais nem menos, começa cair uma neblina que, aos poucos vai aumentando de intensidade, e acaba se transformando numa chuva gostosa. E, para não fugir à regra, muitas coisas gostosas são sempre rápidas, inesperadas, e às vezes até em situações inconvenientes. Sem direito a muitas escolhas de conforto.
Pois, certo dia, visitando um sítio de um amigo, o silêncio era tão grande que, passada aquela chuvinha gostosa, pude ouvir uma conversa não muito comum, entre duas jabuticabas. Pela intimidade da conversa, deu para perceber que tudo estava acontecendo entre uma jabuticaba fêmea e um jabuticaba macho, se é que fruta tem sexo ou se é tudo igual aos anjos:
– Eita neguinha gostosa, zulive! Rasgou elogios o jabuticaba macho!
– Como sabes disso, se nunca me comestes? Indagou a jabuticaba fêmea, torcendo por mais provocação.
– Um dia, quando eu crescer, ainda vou ficar por cima de ti, pois nós, os machos, somos maiores! Disse com segurança o jabuticaba macho!
– Santo Deus, fazei correr os dias e o tempo! Disse, ansiosa pelo encontro futuro, a jabuticaba fêmea!
* * *
O HOMEM QUE VIROU LAGARTA
Dodô o “malfazejo” da roça de milho
Por conta de duas cabras, um bode e três cabritos que encontraram um buraco na cerca do roçado e por ali entraram e fizeram um salseiro nas ramas da batata doce e nos recém brotados pés de feijão, Dorival, também conhecido por Dodô, passou uns tempos sem os costumeiros cumprimentos com Vovô e Vovó.
Na roça do interior, ficar sem falar com outro é algo que ninguém aprova – todos, sem exceção, vivem precisando uns dos outros.
Há um “ditado popular” no interior do Ceará, sobre o relacionamento juvenil de meninos e meninas, essas ficando mais afoitas quando os peitinhos se avolumam exigindo o uso do sutiã, e as xanas se avolumam pelo crescimento dos pelos pubianos, ou pelo uso de absorventes. Coisas da idade. Tudo coisa normal. É nesse período que os pais de meninos, glosando os pais de meninas, dão o aviso: “compadres, prendam suas cabritas, pois os meus cabritos estão soltos e sedentos.”
Pois, o ar rarefeito após qualquer chuvisco que “agita” a roça e expele pela clorofila odores que atraem os animais que se alimentam das folhas. Foi isso que aconteceu, quando bodes, cabras e cabritos encontraram um buraco na cerca de encheram a pança nas ramas de batatas da roça de Dodô.
Aquilo fez com que Dodô mudasse o comportamento. Não cumprimentava mais ninguém, vivia cabisbaixo – há quem afirme que arquitetava uma vingança contra Vovô e Vovó.
Foi após esse acontecido que, nas noites de lua cheia Dodô bebia chá de sumiço e muitos vizinhos garantiam que, no silêncio da noite escutavam uivos distantes de um animal que parecia ser um cão ou um lobo. Nasceu a conversa que Dodô, nas noites de lua cheia virava “lobisomem”. Zulive!
O que se sabia, realmente, afirmavam os vizinhos, era que, de tanto projetar vingança, Dodô atraiu para si alguns espíritos malignos, numa verdadeira parceria com o 666. Cruz credo! Zulive e zulive!
Eis, finalmente, que o inverno chegou, antevendo boa safra do que fora plantado. Vovô semeava milho, feijão, fava, abóbora, quiabo e maxixe. Aquelas coisas que fazem nossas alegrias durante a colheita.
O milho nasceu, cresceu e começou a cachear. Brotaram os primeiros sabugos e bonecas, e sem muita demora, logo as espigas foram se enchendo de grandes e suculentos caroços. A manutenção da roça se fazia necessária, e era o que Vovô passava o dia fazendo, retirando as ervas daninhas como maliças e carrapichos.
Vovô trabalhou até o meio dia do sábado. Limpou e guardou as ferramentas de roçar. Verificou se os “espantalhos” estavam todos de pé e em condições de espantar os pássaros que se alimentavam do milho verde. Tudo em ordem, ele foi para casa.
Domingo era dia de missa pela manhã, um almoço de carne bovina cozida e um bom caldo, antes da madorna da tarde.
Na manhã seguinte, a volta à rotina na roça. Roupa de trabalho, chapéu de palha na cabeça, cabaça d´água no ombro e a direção do roçado. Ao passar a cerca e levantar o olhar, Vovô teve um princípio de enfarte. Não acreditava no que estava vendo. O milharal literalmente destruído. Nenhuma espiga estava incólume. A lagarta comeu tudo. Destruiu tudo!
Soube-se, meses depois que, sem lua cheia para virar lobisomem, Dodô entrou em metamorfose e se transformou numa lagarta. Lagarta da pior espécie, e resolveu se vingar de Vovô e Vovó, que eram os donos das cabras, dos bodes e dos cabritos que, anos antes haviam devorado as ramas das suas batatas.