COBRA CRIADA (CORDEL DA MADRE SUPERIORA DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
COBRA CRIADA
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Dou um boi pra não entrar,
Boiada pra não sair.
Escorrego, mas não caio
Mas levanto se cair.
Com gente desaforada,
Eu vou na mesma toada
Se prepare para ouvir.
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Você me chamou de cobra
E chamou sem precisão.
Não meta mão em urtiga,
Nem folha de cansanção.
Porque quando fico irada
E com a língua afiada
Eu não dou moleza não.
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Veneno deixei na folha,
Porém posso ir lá buscar.
Basta escutar os latidos,
Querendo me provocar.
Não me assusto com cadela
Não vou pular a janela
Com pau parto pra encarar.
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Medo de égua coiceira
Não tenho, nunca vou ter.
Relinche bem à vontade,
Não pense que vou correr.
Pode ciscar no meu chão,
Pintar, bordar feito cão,
De medo não vou morrer.
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Você assanhou inchuí,
Botou pé em formigueiro.
Andou cutucando onça,
E vou lhe dizer ligeiro:
Foi com a vara pequena...
Será que valeu a pena?
Ô imprudente toupeira!
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E não pense que eu engulo
Teu pretenso desaforo,
Para mim tu estás no brejo
És uma vaca sem touro.
Vá ruminar noutro canto
Porque não me causa espanto
Os teus chifres nem teu couro
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Se eu sou uma jararaca
Tu também és peçonhenta.
Se tu tens fogo no rabo,
Tenho cabelo na venta.
Então não perca o juízo
Cascavel, ouço teu guizo,
Toma tino! Te orienta!
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Me chamas de jararaca,
Às vezes sou doce mel.
Isso, quando não esbarro,
Em loca de cascavel,
Em mulas desembestadas,
Correndo pelas estradas
Viçando atrás de corcel.
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Te chamar de cascavel
É ofender a serpente.
Pois aqui no meu conceito,
Tu não és cria de gente
És jumenta batizada,
Aprendeu ser descarada
Do cão não és diferente.
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Agora peço licença,
Porém não me leve a mal.
Não quero galinha velha
Ciscando no meu quintal
Cacareje noutro canto
Porque aqui eu lhe espanto
Não quero nem teu sinal.
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Mais vale é um mau acordo,
Do que uma boa briga.
Mas tu és desatinada
E gosta de uma intriga.
E quando quer ser cruel
Desempenha bom papel,
E a ser igual me obriga.
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Posso não ser jararaca,
Porém sou cobra criada.
O meu bote é certeiro,
E fuja da minha estrada.
Vá engrossar as canelas
Cuidar das suas panelas,
Ô Saracura abestada.
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Se achou que me ofendendo
Faria belo papel?
Aproveitei sua deixa
Pra fazer mais um cordel!
E gostei da ladainha
Pois sou abelha Dalinha
Usando ferrão e mel
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Aqui fico sem delongas,
Ô rastejante serpente,
Oferto-te estes versos,
Produto de minha mente
Não fujo nunca da raia
Eu rodo mesmo é a saia,
Quem puder, que me aguente!
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Quem quiser brigar comigo,
Não vou desaconselhar.
Contudo vou avisando,
Barato não vou deixar.
Não sou de procurar rinha,
Porém quem vier a minha
Sem penas há de ficar.
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Cordel e capa de Dalinha Catunda
Publicado em 2010.