“Esta noite não é o que eu antecipava”, lamentou Steven Spielberg em 29 de novembro, no Lincoln Center de Nova York. A casa lotada, e o evento transmitido ao vivo também para o lotadíssimo teatro Zanuck, no coração dos estúdios Twentieth Century, em Los Angeles, marcava a primeira exibição de “Amor, sublime amor”, a versão spielberguiana de “West Side Story”, clássico da Broadway e de Hollywood.
Deveria ser uma noite de festa, mas Spielberg estava claramente emocionado — havia, nas suas palavras, uma poltrona vazia na casa.
— Sou muito grato a todos vocês, mas temos uma imensa ausência: a de Stephen Sondheim — disse Spielberg, controlando sua emoção ao lembrar o compositor, que morreu dia 26. — Como eu poderia imaginar que ele nos deixaria no momento em que começa a jornada deste filme? As letras incríveis de “Amor, sublime amor” puseram Stephen no mapa, mudando não só sua carreira mas todo o mapa da Broadway, reinventando o musical e o teatro. Como Ben Johnson disse sobre Shakespeare, Sondheim não é para nossos tempos, é para a eternidade.
O Lincoln Center era o lugar exato para mostrar às comunidades de cinema e teatro a nova versão da peça de 1957 (que foi levada aos cinemas em 1961, com Richard Beymer e Natalie Wood interpretando o casal Tony e Maria). A história de 2021 começa nas ruínas de um quarteirão de moradias modestas, demolidas em nome da arte e do dinheiro: nos anos pós-guerra de fato o Upper West Side, bairro de latinos e imigrantes de todo tipo, foi demolido para dar lugar a prédios de luxo, e ao próprio Lincoln Center.
Na visão de Spielberg, a história dos anos 50 — um Romeu e Julieta marcado não pela rivalidade entre famílias, mas por gangues de imigrantes brancos e de porto-riquenhos — ecoa nos dias de hoje.
— O tema de grupos de pessoas que não se entendem e se toleram é algo tão antigo quanto a Humanidade — comparou ele. — As diferenças entre os Sharks e os Jets de 1957 eram profundas. Mas não são tão profundas como as que temos hoje. As diferenças de hoje são imensas e alimentaram nosso roteiro. Num certo sentido, a história ficou ainda mais focada em divisões raciais do que nas divisões territoriais da primeira versão desta narrativa, que foi a peça.
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“Amor, sublime amor” entrou na vida de Spielberg muito cedo. Ele conta que foi o primeiro disco de um musical que a família comprou e deixava que as crianças ouvissem (“Foi a trilha da minha infância”). A superposição das crises geradas por questões como racismoe xenofobia (“não apenas nos Estados Unidos, mas ao redor do mundo”, diz ele), inspirou sua “tremenda ousadia” de interpretar o mundo criado por quatro grandes artistas:
— Sondheim, autor das letras; Arthur Laurents, que pegou uma obra-prima de Shakespeare e colocou sua essência nas ruas de Nova York; Leonard Bernstein, que compôs uma trilha ao mesmo tempo doída, linda, emotiva e viva, tão viva! Ela não pode ser descrita, precisa ser ouvida. Minha ousadia foi colocar o tema na realidade que estamos vivendo, mantendo o mundo desses quatro nos anos 1950.
Longo trajeto
A retomada de “Amor, sublime amor” veio dos executivos da 20th Century, animados especialmente pela paixão de Rita Moreno — uma das estrelas do filme de 1961 — que se tornou uma das produtoras da nova versão, na qual ganhou um papel especial. O projeto começou em 2014 e tomou forma quatro anos depois, quando o dramaturgo Tony Kushner, premiado autor de “Angels in America”, entregou o roteiro e Spielberg assumiu a direção logo depois.
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O elenco veio de várias sessões de testes abertos —fora Rita Moreno, Ansel Elgort (Tony), Corey Stoll (tenente Schrank) e David Alvarez (Bernardo), todos são atores e dançarinos de começo de carreira, estreando em grande escala. Entre eles, a youtuber Rachel Zeigler, filha de colombianos e poloneses, com uma carreira em escolas e circuitos teatrais do interior, e que agora rouba cada cena como a nova Maria (e já está contratada para ser a nova Branca de Neve num filme da Disney).
As filmagens, em 2019, foram divididas entre as ruas do Harlem e de New Jersey, e sets construídos nos Steiner Studios, no Brooklyn. Durante todo o tempo, Spielberg contou com a parceria e a presença de Stephen Sondheim.
— Ele foi uma parte essencial da nossa versão de “Amor, sublime amor” —diz Spielberg. —Da primeira versão do roteiro até todas as sessões de gravação das músicas, ele estava conosco, sem falta. Ouvindo com os olhos fechados, ele ficava em transe. Em transe total, o rosto mudando a cada compasso. Muitas vezes, eu percebia que estava olhando para ele em vez de estar vendo os atores, porque as reações de Stephen refletiam exatamente o que todos estavam interpretando. Nossa amizade foi selada com nosso trabalho em “Amor, sublime amor”.