11 de outubro de 2020 | 05h00
Na noite de 30 de agosto de 2018, Claudette Soares já estava pronta para subir ao palco do Teatro Itália, na região central de São Paulo, para fazer uma única apresentação de um show em homenagem à cantora e compositora Maysa (1936-1977) quando seu produtor Thiago Marques Luiz disse duas palavras que costumam colocar em pânico grandes artistas, mesmo depois de décadas de carreira: “vou gravar”. “Eu quase morri do coração”, diz hoje, aos risos, Claudette. Para quem não é músico ou cantor, parece difícil entender. Mas, para eles, show é show e gravação é gravação. O resultado desse “susto” chega agora às plataformas digitais e em CD, no álbum Claudette Soares Canta Maysa, pela gravadora Discobertas.
O medo acabou quando as cortinas abriram e ela, sentada em um banco bem alto ao lado do piano, deu de cara com uma plateia lotada. Quando o trio que acompanhava tocou os primeiros acordes de Demais (Tom Jobim e Aloysio de Oliveira), gravada por Maysa, Claudette já sabia muito bem o que fazer com as 15 canções do roteiro. Em vez de “morrer do coração”, fez renascer um repertório que ela sempre teve vontade de cantar.
“Eu estudo muito antes de fazer um trabalho. Uso a noite e a madrugada para decorar as letras. Esse frio na barriga que dá é a responsabilidade que tenho com o público de fazer sempre o melhor. Se é um disco ao vivo, tem que ser perfeito. Tem artista que faz um ao vivo de mentirinha, coloca voz em estúdio depois. Eu não gosto de fazer dessa maneira”, explica a cantora.
Quatro canções escritas por Maysa fazem parte do repertório: Meu Mundo Caiu, grande sucesso de 1958; Resposta, aquela em que a cantora afirma que só faz o que gosta e o que crê; Tema de Simone, de 1971; e Ouça, outro grande hit do segundo LP de Maysa – uma composição de amor próprio, um pensamento que poucas mulheres ousavam externar à época. A direção musical é do pianista Alexandre Vianna, que tem a companhia de Rafael Lourenço na bateria e João Benjamim no baixo acústico.
De outros compositores, há músicas como Eu Não Existo Sem Você, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes; Eu e a Brisa, de Johnny Alf; Chão de Estrelas, de Silvio Caldas e Orestes Barbosa; e o bolero La Barca, de Roberto Cantoral. “La Barca foi o único ponto de discordância entre mim e meu produtor. Mas resolvi encarar”, diz a Claudette, pelo fato de a letra ser em espanhol.
Claudette e Maysa foram amigas. Conheceram-se nas esfumaçadas boates cariocas que tocavam bossa nova entre o fim dos anos 1950 e o começo dos anos 1960. A amizade se estreitou quando Maysa começou a namorar o jornalista e compositor Ronaldo Bôscoli (1928-1994), o mesmo que sugeriu que Claudette trouxesse a bossa nova para São Paulo quando o círculo do banquinho e violão ficou restrito a poucos artistas no Rio. Maysa costumava ir ao Juão Sebastião Bar só para ver Claudette cantar Primavera, um de seus sucessos.
A despeito do que falam sobre a personalidade forte de Maysa, Claudette diz que a amiga era meiga e com olhos verdes que ela jamais viu. “Ela era linda, alta, com aqueles olhos enormes. Se eu fosse a Maysa, ficaria tão metida que não olhava na cara de ninguém”, brinca. Claudette tem pouco mais de 1,50m de altura; Maysa tinha 1,70m.
“Teve um dia que ela tirou as sandálias, colocou-a nos dedos da mão e disse: ‘baixinha, vamos entrar assim na boate. Amanhã vão escrever nos jornais que eu estava tão bêbada que tive que tirar os sapatos’. E não deu outra. Havia esse folclore em torno dela, mas eu nunca a vi bêbada no palco”, diz Claudette, que namorou o irmão de Maysa, Cibidinho Monjardim, por quase três anos.
Claudette diz que o tributo à amiga veio a seu tempo, assim como tudo o que ocorreu em sua carreira, que já soma mais de 60 anos. Começou cantando ainda menina em programas de rádio. Depois, ganhou o título de Princesinha do Baião, ajudou a inaugurar a bossa nova, caiu no balanço de temas escritos especialmente para ela por nomes como Toquinho e Jorge Ben Jor até chegar ao sucesso com a romântica De Tanto Amor, de 1971, que Roberto e Erasmo lhe confiaram para gravar. “Tudo o que fiz na vida foi cantar. Não fiz outra coisa.”
Quando a pandemia paralisou as atividades culturais em março, Claudette vinha de três anos de intensa atividade artística. Em 2017, lançou o elogiado álbum Canção de Amor, com repertório inspirado no livro A Noite do Meu Bem, do jornalista Ruy Castro. Em 2018, festejou 60 anos de bossa nova ao lado da amiga Alaíde Costa. No ano passado, lançou um disco com canções do compositor Silvio Cesar e, no começo do ano, ao lado de Eliana Pittman e Doris Monteiro, gravou As Divas do Sambalanço, que traz músicas cheias de suingue, como Baiãozinho e Samba Toff.
Além desses projetos, Claudette também apresentava o Baile da Claudette, que colocava o público para dançar ao som de sucessos como Que Maravilha, Lança Perfume e Baba, de Kelly Key. “Quando voltar, vou colocar Show das Poderosas, da Anitta. Aliás, eu já fui Anitta, né?”, diz, em referência ao figurino com minissaias que usava nos anos 1960.
A cantora diz que reagiu bem a esse período de férias forçadas. “Não dou lugar para a tristeza, para a depressão. Gosto da vida.” Para marcar sua volta – ainda longe dos palcos – Claudette fará sua primeira live em 31 de outubro, quando completa 85 anos. Na apresentação, que será patrocinada por um amigo, ela será acompanhada pelo pianista Alexandre Vianna e ganhará de presente as participações dos cantores e amigos Alaíde Costa e Ayrton Montarroyos, que participa do CD em homenagem à Maysa em Por Causa de Você (Antonio Carlos Jobim e Dolores Duran). No repertório, músicas do álbum dedicado à Maysa, canções de Silvio Cesar e outras bossas.
Claudette já está de olho no futuro. Entre seus desejos estão um disco dedicado às canções de Roberto Carlos e uma nova versão do álbum Gil, Chico e Veloso por Claudete, de 1968. “É como sempre digo: minha maior vingança é estar viva”, brinca.