Disco para a história de Clara Nunes (1980)
No último dia 12 de agosto, como bem lembrado pelo percuciente pesquisador e crítico musical, José Teles, Clara Nunes completaria 80 anos. Por cá, valoriza-se mais compositor do que intérprete, sobretudo alguém que morreu há 39 anos.
Clara Nunes foi uma das grandes vozes da música popular brasileira nos anos 70, mas seguia a tradição das cantoras do rádio. Cantava, simplesmente. Não pertenceu a movimentos, grupos, nem gravava para um determinado público.
Rotulada de sambista, ia além do gênero, foi extremamente versátil. Teve entre seus principais sucessos o arrasta-pé Feira de Mangaio (Sivuca/Glorinha Gadelha), embora o forró fosse uma eventualidade no seu repertório.
Iniciou a carreira em Belo Horizonte, e logo comandaria programas na TV Itacolomy, A Voz Musical de Minas, Viagem Musical Vasp, Clara Nunes Apresenta. Este último encerrou sua carreira em BH, em 1965, quando se mudaria para o Rio. No carnaval, como toda cantora de rádio, ia de músicas da de época. Gravou sambas carnavalescos, mas confessou, em entrevista à revista Intervalo, em 1967, que não era a dela:
“Prefiro morrer de fome a aceitar parceria em samba ruim que não é meu. Sei que os cantores veteranos que só aparecem no carnaval fazem isso: exigem parceria para cantar a música, pois sabem que são os direitos autores que fazem entrar dinheiro, mas comigo isso não pega”.
Clara Nunes, até então era uma cantora de estilo indefinido. Seu único sucesso nessa fase foi com a balada Eu Você e a Rosa, versão de Geraldo Figueiredo, um hit italiano de Orietta Berti de 1967.
Ela gravou dois sambas para o carnaval de 1968, Chorar, Chorei (Jair Amorim/Zequinha), e A Noite (Almeidinha/Roberto Muniz), mas não considerava sua praia: “É o tipo de trabalho que cansa demais e não rende nada. Mas já que gravei vou trabalhar as músicas até não poder mais. E que ninguém bobeie, senão venço de novo”. O “venço de novo” referia-se a ter gravado, em 1966, o samba Porta Aberta, de Jair Amorim e Benedito Reis, que ganhou em1966, o concurso de música carnavalesca do então estado da Guanabara (o Rio foi capital estado). Mas o grande sucesso dela no carnaval foi com Carnaval na Onda, do radialista e compositor José Messias.
Em 1968, Clara Nunes gravaria mais um samba, este deu um norte à sua carreira. O compositor e cantor da velha guarda, o também mineiro Ataulfo Alves, que andava meio esquecido, em parceria com Carlos Imperial, compôs Você Passa Eu Acho Graça. Na época um dos mais badalados nomes da música brasileira, Carlos Imperial sabia caitituar uma música. “Caitituar” significava trabalhar uma música no rádio e TV, quase sempre com um por fora a alguém da emissora. Caitituava-se também sem dinheiro, só na base do convencimento.
Certamente, o conhecimento de causa de Imperial contribuiu para o estouro de Você Passa/Eu Acho Graça, um dos maiores hits de 1968, e que direcionou Clara Nunes para a MPB. A diferença entre seu primeiro LP e o segundo é abissal. Um é formado por boleros e baladas insossas, a maioria de autores pouco conhecidos, que não a levaram a canto algum. O segundo a colocou nas paradas com mais uma parceria Ataulfo/Imperial, Você Não É Como as Flores, que abre o álbum, cujo título é Você Passa Eu Acho Graça. No repertório Chico Buarque, Tom Jobim, Martinho da Vila, Dolores Duran, Darcy da Mangueira, ou Noel Rosa.
Ele definiria o estilo definitivamente em 1971, com o álbum Clara Nunes, e demarcou seu espaço na MPB. Dali em diante só cresceria, com a produção de Adelzon Alves, com quem foi casada. Aliás, Adelzon está por merecer uma biografia pela sua contribuição à música brasileira, em geral, e samba em particular.
Clara Nunes tinha uma queda pelo Recife e Olinda. Nesse disco de 1971, há uma bela versão do frevo canção Novamente, de Luiz Bandeira. Ela canta também o pernambucano Zé Dantas autor de Sabiá (cuja parceria é de Luiz Gonzaga). Clara se tornou filha de Oxum, nas águas do Rio Capibaribe, numa cerimônia realizada por Pai Edu (Edwin Barbosa da Silva, falecido em 2011), cuja casa, o Palácio de Iemanjá, em Olinda, costumava frequentar. Pai Edu nos anos 70, era o babalaôrixá mais badalado do país. O Palácio de Iemanjá um dos pontos mais visitados de Olinda.”
Novamente – Clara Nunes