CISMAR
Maria Firmina dos Reis
À MINHA QUERIDA PRIMA ― BALDUÍNA N. B.
Quando meus olhos lanço sobre o mar,
Augusto ─ o seu império contemplando;
Quer tranquilo murmure ─ ou rebramando,
Expande-se meu peito extasiado.
Corre minh’alma pelo céu vagando,
Sobre seres criados ─ Deus buscando…
E fundo, e deleitoso é meu cismar.
Se ronca a tempestade enegrecida,
Pavoroso trovão rouqueja incerto;
As nuvens se constrangem, o céu aberto
Elétrico clarão vomita escuro:
Ao Deus da criação, ao rei da vida
Elevo o pensamento, e o coração…
Cresce, avulta, e aumenta a cerração
E em meu vago cismar só Deus procuro;
Se plácida no céu correndo vejo
─ A lua ─ o mar, as serras prateando,
Qual áureo diadema cintilando
Em casta fronte de pudica virgem,
Em meu grato cismar só Deus almejo…
Bendiz minh’alma seu poder imenso!
Bendiz o Criador do Orbe extenso,
Que os outros rege ─ que seu trono cingem.
E bendigo depois a minha dor,
Meu duro sofrimento, ─ o meu viver…
Porque pode apagar, fundo sofrer
As feias culpas do existir da terra.
Oh! sim minh’alma te bendiz Senhor.
Quando cismando se recolher triste…
Bendiz o eterno amor, que em ti existe,
O imenso poder que em ti se encerra!!…