16 de julho de 2020 | 15h00
Por muitos anos, as companhias circenses foram as únicas a levar espetáculos culturais aos mais distantes cantos do País. Mesmo hoje, o circo ainda é o responsável por proporcionar a oportunidade de diversão para uma parte da população, ainda excluída, que não tem condições de frequentar cinemas, shows, teatros. Difícil encontrar alguém que não tenha se divertido com as atrações de algum circo, com seus palhaços, malabaristas, trapezistas.
Presente no Brasil desde o começo do século 19, já encantou gerações e até hoje tem muitos nomes registrados na história da arte nacional, como é o caso dos palhaços Piolin, Arrelia e Carequinha. Bons já foram seus momentos, com pés nas estradas, erguendo a lona e montando o picadeiro em alguma cidade do País. Mas, como todas as demais áreas culturais, essa também está sofrendo com a pandemia do coronavírus, o que tem impossibilitado o trabalho desses profissionais. Agora, se até uma grande empresa da envergadura do internacional Cirque du Soleil está enfrentando as consequências do vírus, o que dizer de pequenos grupos brasileiros, que não conseguem nem mesmo se fazer presente na hora de receber ajuda oficial.
Vivendo de forma itinerante pelo Brasil, os circos estão passando por uma situação bem preocupante. “Cada um está tentando se virar de alguma maneira, seja vendendo maçã do amor, algodão-doce, balas, bolas, ou fazendo ações em grupo, como lives na internet ou mesmo se arriscando em apresentar espetáculo no esquema de drive-in”, conta Pereira França Neto, dono do Circo Teatro Tubinho e também palhaço da companhia que tem seu nome.
Para dias de escassez de trabalho como os atuais, Tubinho descreve a situação momentânea de seu circo como a mesma enfrentada por outros grupos. Segundo ele, a companhia depende da bilheteria para sobreviver, manter-se em atividade, mas, sem poder realizar seus espetáculos, está sem dinheiro para pagar as despesas. “O governo do Estado mandou algumas cestas básicas, por meio de cooperativas, mas a despesa de uma companhia desse tamanho é grande. São mais de 50 anos na estrada, as dívidas se acumulam e, a cada dia, a gente vê o risco de fechar as portas”, desabafa. Apesar do momento difícil, ele entende que a situação é inesperada. “Não podemos culpar ninguém.”
Atualmente montado na cidade de Piracicaba, no interior de São Paulo, o Circo do Tubinho é composto por 30 pessoas, mas acabou agregando outras 30 que vieram de um circo que fechou. O artista se mostra apreensivo quando analisa o cotidiano da companhia com a reclusão, pois, em momentos normais, seria um sinal de sucesso ficar esse tempo parado em lugar só – da forma como estão, é preocupante. “Tive a intuição de deixar o circo montado, dessa forma não teremos o custo da montagem e desmontagem da lona”, revela Tubinho. Entre esses profissionais, estão as famílias, que fazem parte da trupe.
É o caso de Franciele Jaqueline Machado, a Fran, de 34 anos, que se juntou ao grupo em 2012, quando o circo esteve em sua cidade, Araçoiaba da Serra. Foi lá que conheceu seu marido, José Roberto de Assis Junior, o Juninho, que trabalhava como ator na companhia. “Ali começava uma história de amor, onde eu jamais imaginava ir embora com o circo. Até que o Tubinho me chamou para fazer parte da sua trupe, e acabei largando toda uma vida para começar uma aventura nesse mundo mágico circense.”
Fran é atriz na companhia, tem dois filhos – Pietro com 11 anos e Antonella com 5 – e passa pela mesma situação de todos. “Essa quarentena tem sido bem complicada para nós, circenses: tivemos de parar com aquilo que sabemos fazer melhor, que é fazer o público sorrir, e tivemos de nos reinventar”, afirma a atriz, que também tem participado das ações alternativas, na esperança de conseguir dinheiro para que todos se mantenham, como a venda de produtos relativos ao circo ou feitos para essas iniciativas, como doces e bolos.
A situação vivida pelo Circo Tubinho, porém, não é diferente da enfrentada por outros grupos pelo Brasil. É o que relata também Raul Gregório Nogueira, de 51 anos, dono do Circo Kids, atualmente na cidade Peixoto de Azevedo, no Mato Grosso, e originário de uma família tradicional dessa arte. “Somos a quinta geração de uma família de circo, nós gostamos de fazer arte, apresentar nossos espetáculos, ver a alegria no rosto do público, e não temos nenhum outro projeto paralelo”, diz o empresário, revelando grande preocupação não apenas com a covid-19, mas com o futuro marcado por muitas incertezas. “Fomos o primeiro segmento a parar e, pelo que vemos, seremos os últimos a retomar nossas atividades, o que dá muito medo ao grupo”, diz Raul, desgostoso com a constatação de que as autoridades, em suas palavras, nem prestam atenção na categoria circense, ao não apresentar saídas para a superação.
Em outro ponto do País, a produtora cultural Andrea Vasconcelos, que trabalha com a Apaece – Associação dos Proprietários, Artistas e Escolas de Circo do Ceará, entidade que registra 57 cadastrados, diz que, em sua região, a vida dos circenses no momento não difere de outros locais, mas eles estão se movimentando e trocando ideias com outras regiões, além de observar o que tem sido feito em outros países, para entender melhor como está sendo pensada a volta das atividades no setor.
“O que temos de expectativa até o final do ano é o aporte financeiro, que se tornará disponível para o meio cultural pela Lei Aldir Blanc.” A classe artística no Ceará se articulou para montar e distribuir cestas básicas e pequenos aportes para demandas mais urgentes, como pagar contas de luz e água. E finaliza destacando a importância que a arte, em suas mais variadas formas, exerce na vida das pessoas, principalmente nesta fase de pandemia, com todos precisando ficar em casa.
Compactuando do mesmo pensamento, Marlene Querubim, gerente do Circo Spacial e presidente da União Brasileira dos Circos Itinerantes (UBCI), acredita que o retorno às atividades está próximo, mas a preocupação é com o medo do público em voltar a frequentar os espetáculos. “No meu olhar, como gestora, creio que vai demorar muito para o público retornar, especialmente pela questão financeira, pois houve uma descapitalização das pessoas que vão ao circo”, afirma. Para ela, não se trata somente em liberar a atividade e seguir o protocolo de segurança: o problema em questão é a confiança das pessoas em retornar com suas famílias. Este ano, avalia, nem 10% da atividade retornará. “É um ano perdido para o circo.”
Marlene concorda com os que acreditam que o circo, patrimônio imaterial do Brasil, é invisível aos olhos dos governos. “Nós temos um universo de 30 mil pessoas que vivem do circo no Brasil, entre artistas, técnicos e funcionários. É uma grande força de trabalho que está desprovida de qualquer recurso, tendo de se virar como pode”, diz a empresária que, mesmo com todos esses problemas, se revela realista, mas também otimista, acreditando que o setor vai superar os percalços, com boas perspectivas para o futuro.