Na pulsão de uma mudança que "pede para outra realidade emergir", como assinala a embaixadora de Barbados, Tonika Sealy-Thompson, a 5ª Mostra de Cinema Latino-Americano e Caribenho chega, a partir de hoje (4/8), ao Cine Brasília (EQS 106/7). Ela vem embalada aos moldes dos anos 1960, que "eram para todo mundo", como ressalta Tonika: a mostra de 19 filmes terá entrada franca. E, junto com a diversidade de temas, traz muita representatividade de assinaturas criativas. "No quinto ano do evento, mas com dois anos de pandemia, estamos apenas começando: é necessário 'beber e comer da cultura' que não é muito disponível — e Brasília pode virar um centro desta cultura", ressalta a embaixadora.
A importância de se ter noção do que sejam os países hispânicos e perceber aproximações para além das geográficas são fatores sublinhados por Eduardo Cousin, chefe de chancelaria da Embaixada de Equador, país presente nos festejos. "O conhecimento das nossas realidades através da cinematografia é fundamental. No futuro, podemos pensar em ações de cooperação e de integração de produtores cinematográficos", destaca Cousin, ciente da aproximação "muito atrativa, pelo carinho e admiração gerados pelo Brasil".
O vigário (a ser apresentado, às 18h30 de 10/8), de Tito Jara H., marca sua estreia na América Latina, dentro da mostra, depois de ser exibido em festival indiano. Comercialmente, será exibido nos mercados europeus, norte-americano e brasileiro, em 2023. "O filme fala de um homem que surpreende as pessoas, sendo um religioso falso e se aproveita de uma menina que tem capacidades especiais, pronta para realizar espécies de milagres. A reflexão do longa é a de que muitas pessoas acreditam mais nas mentiras do que nas verdades, como não deixa de ocorrer na política também", comenta Eduardo Cousin, que completa com a percepção de que "Equador, Colômbia e Caribe também têm muita parte da população crente na ideia de que ações transcorridas no céu são influentes, e que podem tocar suas vidas".
Admiração e respeito
Na busca por relação mais intensa com o Brasil, que segue tendo a popularidade associada às telenovelas e ao futebol, espectadores estrangeiros terão acesso ao retrato, em cinema, de uma mulher forte: Pureza, interpretada por Dira Paes, em fita de Renato Barbieri (atração do dia 13 de agosto, às 18h30). Pureza, em realidade contemporânea, lutou pela libertação de pessoas exploradas em situações análogas às da escravidão. A favor da visibilidade de obras femininas, a embaixadora Tonika Sealy-Thompson dimensiona que metade dos filmes têm cineastas mulheres no comando. Autoproclamada "servidora do processo" e facilitadora da circulação das obras pelo Brasil, Tonika vem do país insular comandado pela primeira-ministra do partido trabalhista Mia Amor Mottley, que, como ela assinala, "perturba a ordem global".
A mostra de cinema no Cine Brasília contempla, entre outros, o documentário Sonhos de Panamá, da diretora Alison Saunders-Franklyn, que destrinça parte do processo de exploração de raças imersas em estruturas de poder. "Barbadianos foram importantes na construção do Canal do Panamá. O suor, o sangue e as lágrimas deles estão investidos nessa conexão de países e comércio", observa Tonika. Na defesa do meio ambiente, a mostra destaca As mulheres do Wangki, produção da nicaraguense Rossana Lacayo. No filme, há registro da luta de mulheres indígenas por preservação de dados ancestrais e por debelar uma sociedade machista.
No processo da expansão cultural da rede de países, Tonika Sealy-Thompson ressalta que Barbados cabe no Brasil 19 mil vezes, mas que sempre, no encontro de culturas, ecoa como princípio a igualdade. "As indústrias criativas são importantes comercialmente, no âmbito da América-Latina e Caribe. No começo de 2023, vamos organizar um evento relacionado ao tema, com possibilidade de parcerias e de coproduções. Fico emocionada com a ideia de ver diretores e produtores se conhecerem — há conteúdos fantásticos em termos de potencial. A capacidade produtora do Brasil é excelente", conclui.
5ª Mostra de Cinema Latino-Americano e Caribenho
Cine Brasília - (EQD 106/107), com entrada franca.
Hoje (4/8), às 18h30, Como água para chocolate (México), de Alfonso Arau.
Amanhã (5/8), às 18h, Sonho Florianópolis (Argentina), de Ana Katz. Às 20h30, Avenidas (Uruguai), de Daniela Sparanza.
Sábado (6/8), às 15h30, Cachimba (Chile), de Sílvio Caiozzi. Às 18h30, Ruth (Portugal), de Antônio Pinhão Botelho.
Domingo (7/8), às 15h30, Viagem a Tombuctú (Peru), de Carmen Rossana Diaz Costa. Às 18h30, A palavra de Pablo (El Salvador), de Arturo Menéndes.
Dia 8, às 18h30, Donaire e esplendor (Panamá), de Arturo Montenegro. Às 21h, O apóstolo (Espanha), de Fernando Cartizo.
Dia 9, às 18h30, Joana Azurdy: guerrilheira da pátria grande (Bolívia), de Jorge Sanjinés. Às 20h30, Matar um morto (Paraguai), de Hugo Giménez.
Dia 10, às 18h30, O vigário (Equador), de Tito Jara H.. Às 21h, De olhos fechados (Costa Rica), de Hernan Jimenez.
Dia 11, às 18h30, Cavaleiros do paraíso (Colômbia), de Thalía Osório Cardona. Às 20h30, Sonhos de Panamá (Barbados), de Alison Sauders.
Dia 12, às 18h30, As mulheres do Wangki (Nicarágua), de Rossana Lacayo. Às 20h30, De María África a María Montez (República Dominicana), de Jesús Reyes Mota.
Dia 13, às 15h30, Inocência (Cuba), de Alejandro Gil Álvarez. Às 18h30, Pureza (Brasil), de Renato Barbieri.
Nos trilhos do pop
Com um chapéu à la ursinho Paddington (o personagem peruano que, numa animação, busca por um lar em Londres), o tipo vivido por Brad Pitt em Trem-bala circula por Tóquio, com a pretensão de adquirir calma e emanar paz. Mas, dentro do que ele chama de "azar épico", com o qual convive, Joaninha (o codinome do personagem de Pitt) terá pela frente mais uma missão que o impulsiona para o mau caminho. Sem demora, Joaninha se verá dentro de um trem que abriga enredo assemelhado ao de Assassinato no Expresso do Oriente, com direito a diferencial: poucos dos passageiros poderiam ser considerados inocentes.
No novo filme de David Leitch — lembrado pela truculência gráfica dos anteriores Atômica (2017) e Deadpool 2 (2018) — há compulsão por jatos de sangue, doses de vômito, violência e agressão. A referência inicial a Os embalos de sábado à noite é genial. Com poucas paradas pela frente, o trem-bala do título entra nos trilhos, ainda que de modo caótico, no longa que tem a assinatura de Zak Olkewicz (do terror Rua do medo: 1978). Morte Branca é o nome de um personagem que parece fazer parte do histórico de muitos outros que desfilarão no enredo. O destino do trem final parece ser Kyoto, mas será que todos chegarão?
Perigosos como qualquer integrante da Yakuza, e dentro de uma corrida atrás de maleta repleta de dólares, o círculo se apresenta: Príncipe (Joey King, a garota de A barraca do beijo) tenta passar despercebida; enquanto Tangerina (Aaron Taylor-Johnson) e Limão (Brian Tyree Henry) são comparsas inseparáveis, e Kimura (Andrew Koji), que está com o jovem filho internado em hospital, confirma a dependência e a aprovação do pai (Hiroyuki Sanada). No filme que adapta a literatura de Kôtorô Isaka, ainda há espaço para personagens sul-americanos como O Lobo (Bad Bunny), que traz rastro de sangue.
Um evento com morte coletiva é anunciado no filme que, além das participações de Channing Tatum, Zazie Beetz, Michael Shannon e Sandra Bullock, traz a presença de uma cobra de veneno mortal. Em certa medida, o novo filme se vale de emblemática persona criada por Brad Pitt nos cinemas, que, no passado esteve a serviço do inglês Guy Ritchie (de Snatch: Porcos e diamantes, de 2002) e Era uma vez em... Hollywood (Quentin Tarantino, de 2019). Nas melhores tiradas, o personagem de Pitt, escolado em indicar terapeutas, confirma que "carma é uma merda" e tem o sangue frio de parar uma sangrenta trégua, para beber uns goles de água.
Com incômodos excessos de esperteza e aborrecedora insistência em gracejos, a personagem Príncipe (Joey King) — desinteressada em ser esposa ou mesmo mãe de alguém, como ela reforça — é mais uma a insistir no mote da paternidade presente no filme. Com apelativas cenas de humor descabido e afetado, como na hora em que Tangerina e Limão recapitulam o empilhado de mortes que carregam na profissão de mercenários, Trem-bala ganha terreno e conquista, pela velocidade nas reviravoltas, em planos e estratégias. Em meio a tanta vingança e malícia, é curiosa a estratégia do personagem Limão, que, dentro do tal trem-bala, faz constantes relações entre a realidade dele e o famoso desenho animado de emotivas locomotivas Thomas e seus Amigos. (RD)