— Muitas vezes você quer uma coisa que já é um lugar confortável, que você já conhece — conta o ator e cinéfilo Plínio Meirelles, que está sempre dando play em uma comédia romântica quando precisa relaxar. — Eu prefiro ver “Assassinos da Lua das Flores” (2023) ou “Parasita” (2019), que são filmes que você não sabe para onde vai, mas nem todo dia você tem energia para isso. Nesse cinema conforto, você não precisa de tanto compromisso, ele é mais um travesseiro.
'Espírito do tempo'
Plínio lembra que, na última semana, acessou a Netflix para assistir a “Maestro” (2023), drama dirigido e estrelado por Bradley Cooper que está cotado para o Oscar, mas logo percebeu que não estava no clima para ver algo tão intenso. Então, nem pestanejou: simplesmente decidiu rever o já clássico “Meninas malvadas” (2004).
O ator acredita que o conforto muitas vezes passa pelo gênero da produção. Nos casos de comédias românticas e filmes de Natal, por exemplo, você nem precisa conhecer para experimentar essa sensação: muitas vezes já sabe o que esperar do final.
Marina Roale, gerente de pesquisa e insights no Grupo Consumoteca, destaca que a tendência de buscar conteúdos já conhecidos combina com o que se chama de “espírito do tempo”, algo mais em evidência com a pandemia da Covid-19.
Marina também cita “Meninas malvadas”, além do filme “O diabo veste Prada” (2006) e da série “Friends” (1994-2004) como exemplos de obras que você revê muitas vezes, mesmo que esteja “devendo’’ na atualização dos lançamentos. Segundo ela, o grande volume de ofertas também causa reflexos nessa realidade.
— Vivemos uma era de excesso nas plataformas de streaming. Temos muitos lançamentos chegando ao mesmo tempo, o que leva as pessoas à paralisia do paradoxo da escolha. Você fica horas ali procurando e não decide. Então você acaba se rendendo ao que já é familiar — reforça Marina.
Reprise de vídeos
“Familiar” também é a palavra da vez para a influenciadora Míriam Castro, conhecida como Mikannn. Ela cita “Esqueceram de mim” (1990), “O senhor dos anéis: A sociedade do anel” (2001) e as animações do Studio Ghibli (estúdio japonês de “A viagem de Chihiro”, de 2001, e “Meu amigo Totoro”, de 1988) como exemplos de obras às quais ela sempre volta, mostrando como o filme conforto pode se apresentar das mais diversas formas. Pode sim ser uma comédia natalina, mas também uma aventura repleta de violência e fantasia.
— Eu acho que o confortável é o que é familiar. É aquele filme que você vai assistir e sabe que vai sair com o coração quentinho — destaca a criadora de conteúdo, que tem notado no público um interesse maior por obras já antigas. — Com o streaming ficou mais fácil assistir a coisas que já conhecemos. É mais fácil do que pegar um DVD ou Blu-ray daquele filme que ama e colocar para ver. Noto que não só com filmes e séries, mas os próprios vídeos no YouTube, sempre vejo pessoas falando que viram o mesmo vídeo várias vezes.
Mikannn considera um “dilema existencial” do produtor de conteúdo decidir o tema dos vídeos, diante de tanta oferta de conteúdos novos e do interesse das pessoas em consumir informações sobre produções antigas. Assim, em seu canal, tem mesclado vídeos sobre lançamentos com outros sobre obras que admira.
Apresentadora do podcast “Traz a pipoca” e especialista de conteúdo do Telecine, Bruna Scot defende que filmes de ação também funcionam como filme conforto, como é o caso, para ela, da franquia “John Wick”, com Keanu Reeves. Ela lembra ainda da saga “Velozes & Furiosos”, um dos maiores sucessos do canal por assinatura, cujo acervo também está disponível em pacotes do Globoplay.
73% gostam de rever filmes
Uma pesquisa recente encomendada pelo Telecine sobre o consumo de filmes pelos brasileiros identificou que 73% das pessoas gostam de rever obras que já conhecem. O resultado, inclusive, impactou na estratégia comercial da empresa, que vem buscando valorizar mais os destaques de seu acervo do que eventuais lançamentos da semana.
— Por mais que eu trabalho cobrindo cinema e assista a muitos filmes atuais, no meu íntimo eu tenho muito esse lugar do filme conforto, até sendo meio reativa a algumas sugestões — destaca Bruna.
Ela cita “O auto da compadecida”, “Encontros e desencontros” (2003) e “O fabuloso destino de Amélie Poulain” (2001) como filmes que sabe de cor, que sempre vai parar para assistir se estiver passando e que faz questão de apresentar para outras pessoas.
— A expressão “filme conforto” traz muito para esse espaço da zona de conforto, não no mau sentido de você não querer testar coisas novas. Mas os filmes que procuramos revisitar sempre são aqueles que nos dão um abraço cinematográfico que muitas vezes estamos precisando. — conta a jornalista. — Precisamos apenas daquele lugar que já conhecemos, daquele companheirinho. Às vezes, você pode estar mais cansado e tristinho, e prefere não arriscar nas emoções que vai sentir. É sobre tentar controlar as emoções. E, ainda assim, como falamos de arte, aquele filme conforto pode bater diferente dependendo do momento em que assiste.