Quando as salas foram fechadas em decorrência da pandemia, em março de 2020, o cinema brasileiro viveu seu último grande sucesso, com “Minha mãe é uma peça 3”, estrelado por Paulo Gustavo e visto por 11,8 milhões de espectadores. Além de ratificar o ator, morto em maio do ano passado em decorrência da Covid-19, como um dos nomes fortes do audiovisual brasileiro, o desempenho também reforçou a importância da comédia para o mercado do país. Se o atípico 2021 não viu nenhuma delas entre os top 20, agora uma nova leva de filmes brasileiros de humor espera, com a ajuda do sucesso que o gênero costuma fazer, esquentar a retomada para a indústria nacional.
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Ao longo de 2022, várias comédias brasileiras chegarão aos cinemas, como “O palestrante”, com Fábio Porchat e Dani Calabresa; “45 do segundo tempo”, com Tony Ramos, Cássio Gabus Mendes e Denise Fraga; “Bem-vinda a Quixeramobim”, com Edmilson Filho; “Uma pitada de sorte”, com Fabiana Karla; “Quatro amigas numa fria”, com Fernanda Paes Leme e Robson Nunes; “Os suburbanos”, com Rodrigo Sant’anna; “Partiu América”, com Matheus Ceará; e “Nas ondas da fé”, com Marcelo Adnet.
— Neste momento em que temos tantos desafios a enfrentar, entrar numa sala de cinema e assistir a um filme que traz um pouco de leveza nos ajuda a seguir — defende Lázaro Ramos, protagonista de “Papai é pop”, com lançamento em agosto. — Dar uma gargalhada é ter um pouco mais de saúde. Nos meus momentos de maior dificuldade, eu dou um sorriso. E isso destrava traumas e facilita que eu encontre soluções pro meu dia seguinte.
Frente a Hollywood
Entre 2011 e 2020, em sete oportunidades, o ranking de bilheteria nacional foi liderado por comédias. Nos três anos em que elas não ocuparam o topo, o mercado viveu circunstâncias bem específicas, que foram os lançamentos dos filmes religiosos “Os dez mandamentos” (2016), “Nada a perder — Parte 1” (2018) e “Nada a perder — Parte 2” (2019), sobre os quais paira desconfiança em razão da distribuição de ingressos e registro de sessões vazias com bilheteria esgotada. Nesses três anos, comédias ocuparam a segunda posição no ranking de venda de ingressos, confirmando seu virtual predomínio. E não é só entre os filmes nacionais que o gênero se destaca. Em 2020, “Minha mãe é uma peça 3” foi o longa mais assistido do ano, com 9,2 milhões de espectadores — a bilheteria total inclui ainda os 2,6 milhões de ingressos vendidos em 2019.
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Nos últimos 20 anos, filmes como “Minha mãe é uma peça” (2013), “De pernas pro ar” (2010), “Até que a sorte nos separe” (2012), “Cine Holliúdy” (2012), “Os homens são de Marte…. E é pra lá que eu vou” (2014), “Meu passado me condena” (2013) e “Se eu fosse você” (2006) foram hits de bilheteria e renderam continuações. Num momento em que o mercado cinematográfico busca se reaquecer, a comédia pode ser um dos trunfos mais importantes.
— Acho a comédia essencial para o aquecimento do mercado e principalmente para a volta do público aos cinemas. O humor sempre é uma salvação em épocas de crise — diz Ingrid Guimarães, que chega aos cinemas em dezembro com a comédia “Minha irmã e eu”, ao lado de Tatá Werneck, e também trabalha na sequência de “Fala sério, mãe”, com Larissa Manoela.
— Estamos precisando muito de injeções de alegria, da sensação que a gargalhada proporciona — diz Schmütz, destacando que o gênero é um dos poucos que consegue mostrar força diante do domínio do cinema internacional. — Consegue ocupar mais salas, dar uma desafogada neste sufocamento.
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Desligar da realidade
Responsável pelo lançamento da trilogia “Minha mãe é uma peça” com a Downtown Filmes, a Paris Filmes se estabeleceu como distribuidora com uma atenção especial para o humor.
— A comédia tem o dom de despertar algo bom dentro das pessoas. Em um momento tão difícil quanto a pandemia, trazer o riso para os cinemas é trazer um momento para o espectador desligar da realidade dura que encontra nos noticiários — diz Marcio Fraccaroli, CEO da Paris, que, no entanto, fala sobre as dificuldades enfrentadas pelo setor. — Os projetos nacionais ainda estão com números menores na retomada, mas temos grandes produções para os próximos meses e acreditamos no crescimento desse mercado diante da conscientização da população e do avanço da vacinação para novos grupos etários.
— Estar com Cleo em cena, interpretando mãe e filha, foi a cereja do bolo. Ela tem um senso de humor delicioso, nos divertimos e nos emocionamos muito nas cenas — conta Gloria Pires, que também está no elenco da comédia “Desapega”.
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Aposta da indústria para atrair o público para as salas de cinema, a comédia também encontra muito espaço na cena do streaming. Companhias como Netflix, Prime Video e HBO Max têm investido cada vez mais na produção nacional, e com bom destaque para o humor.
Após lotar os cinemas com a trilogia “Até que a sorte nos separe”, Leandro Hassum fechou um acordo com a Netflix e tem lançado suas comédias no streaming. Foi o caso de “Tudo bem no Natal que vem” e o mais recente “Amor sem medida”, além do ainda inédito “Vizinhos”, com lançamento previsto para 2022.
Ingrid Guimarães, que recentemente assinou um acordo com o Prime Video, destaca que o streaming acaba sendo um espaço importante diante da insegurança de muitas pessoas no retorno às salas de cinemas, com a pandemia de Covid-19 ainda em curso.
— A comédia é essencial para atrair assinantes — acredita Ingrid Guimarães. — O humor é o alívio desse Brasil massacrado.