Selecionado para a mostra de cinema Cine Bike, repleta de ações paralelas de cidadania, o curta-metragem Circulando pelo enquadramento (1988), estrelado por Tilda Swinton, é dos títulos que sintetiza o intuito do evento promovido pelo CCBB: provocar a reflexão sobre os vícios da mobilidade urbana e estimular rupturas no dia a dia agitado. O filme criado por Cynthia Beatt mostra paisagens do Muro de Berlim, feitas no movimento de bicicletas, instigando o fim de circuitos de imobilidade e estagnação. Impensadas mudanças, um ano após a produção, viriam a derrubar a realidade, desde 1961, imposta pelo Muro de Berlim. Na base da conscientização, o Cine Bike pretende difundir aspectos da boa prática do ciclismo.
Com curadoria do professor e crítico Sérgio Moriconi, Cine Bike trará painéis com especialistas que enfatizarão Os avanços dos planos de mobilidade urbana no Brasil (no dia 21) e ainda vão tratar do tema Ruas e cidades humanizadas — Slowmovement (previsto para dia 28). Atividades educativas e demonstrações práticas de reparos em bicicletas ganharão contornos divertidos, com apresentações de repentista e mímicos. No próximo domingo, entre 10h e 12h, a autora Josi Paz lançará o livro Pedalar é suave.
Longas consagrados de cineastas reconhecidos como os irmãos belga Luc e Jean-Pierre Dardenne, caso de O garoto da bicicleta (2011), estarão na programação, que aposta em clássicos como o primeiro filme de François Truffaut (o curta Os pivetes, de 1957), e ainda no italiano vencedor do Oscar como melhor filme internacional, Ladrões de bicicleta, (1948), exemplar neorrealista de Vittorio de Sica que, com relevo humanista, associava trabalho no pós-guerra com injustiça social. No sábado, dia 23, a partir das 16h, uma tela especial exibirá filmes como Pedalando com Molly (animação britânica de 2021) e Escola de carteiros (1947), filme eternizado pela criatividade de Jacques Tati (o mesmo de Carrossel da esperança, de 1949, também na programação do evento), centrado na modernização do serviço postal da época, a partir dos esforços de um distraído carteiro francês. O evento oferece, também, treinamentos para o aprendizado de iniciantes no projeto Pedalando com a Bike Anjo, numa ação que reacende a memória do sociólogo e ativista Raul Aragão, morto em 2017.
Com parte de eventos on-line, Cine Bike trará cinco filmes (com acesso disponibilizado por 24 horas, em: www.cinebikebrasil.com.br). Na lista, há o inclusivo Todos os corpos na bike; Explorando as ruas de Estocolmo, com o impacto de um projeto que, no emprego de transportes alternativos, pretende zerar mortes por acidentes. E, ainda, O porta-voz, filme australiano em torno de uma espécie de museu vivo de bicicletas de todas as eras. Uma das melhores experiências cinematográficas está marcada para o dia 24, às 18h30, em um telão montado no CCBB, no qual será projetado As bicicletas de Belleville, animação de 2004 criada por Sylvain Chomet, e que, em meio a enredo que faz uso da competição batizada Tour de France, vem pontuado por gags e tons críticos.
Na leva de 35 filmes elencados para a mostra, o recente A volta em Minas, de Fernando Biagioni, revela os frutos de uma jornada de 14 dias, dos extremos de Minas Gerais, unidos ao longo de 1500 quilômetros perfeitos e que proporcionam situações de freio ao consumismo exagerado e o acirrar de amizades, temas comuns ainda a Mama Agatha (de Fado Hindash). Nessa fita, há exame da dedicação de uma ganense na formação de migrantes e refugiadas do sul de Amsterdã, que ingressam no mundo das pedaladas. Outro destaque na mostra, o média-metragem A rainha bicicleta (2013) revela passos de democratização e a importância, na segunda revolução industrial, do movimento das bikes, entre franceses, num panorama que contempla período entre 1890 e a época atual.
No exterior há circuito consolidado similar aos temas do Cine Bike? O que fomenta a adoção do ciclismo na capital?
Existem festivais similares no mundo, e em Brasília, fomos pioneiros, o que não deixa de ser surpreendente. Brasília é singular em relação ao tema. Pela própria geografia plana, e há o favorecimento pelo clima da cidade. Temos períodos enormes não chuvosos. Há favorecimento de as pessoas irem para o trabalho de bicicleta, sob temperaturas frescas. Notamos muitas características, ao se caminhar domingo, no Eixão. Há quantidade de coletivos de bike e há grupos que se reúnem para passeios como a volta ao Lago Paranoá. No Parque da cidade há quantidade enorme de ciclistas. Houve, nos últimos anos, incremento muito expressivo nas ciclovias que, claro, podem ser melhoradas.