A arte é uma das formas de traduzir o mundo e refletir sobre a existência. Cerca de 80 alunos brasilienses cegos e surdos participaram, com o premiado pintor e artista plástico Carlos Bracher, de oficina de pintura e criaram suas próprias obras. Na manhã de ontem, os aprendizes homenagearam os 200 anos da Independência do Brasil em um quadro. À tarde, a reverência foi para a capital federal, em comemoração aos 62 anos de inauguração da cidade. O projeto contou com a colaboração da secretária de Educação do DF (SEEDF), professora Hélvia Paranaguá; da diretora da escola Kingdom School, Alice Simão; e do apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-DF).
Uma interação que inclui, ensina e traz conexão a todos que estão ao redor. Assim, é o pensamento do pintor mineiro Carlos Bracher, 82 anos, sobre a oficina de ontem. Apesar das passar por diversos países, ele garante que esse encontro foi um dos mais marcantes da carreira. "Um dos maiores momentos da minha vida é estar aqui. Estar com essas pessoas maravilhosas e fantásticas para aprendermos com elas", comenta.
O artista garante que a troca de experiências com cada um dos aprendizes é especial. Em um mundo ferido pelo ego e falta de empatia, ele repete diversas vezes o quão fundamental é levar o amor e a expressão artística como forma de integração e acessibilidade, além de promover a cultura para aqueles que não tiveram oportunidade. Amar a própria arte, para Bracher, é a maior revolução e a melhor forma de inclusão. Por isso, continuar levando as várias formas expressão para as escolas.
Essa alegria é sentida pelo Vitório Pereira, 59, que tem baixa visão. O estudante do Centro de Ensino Especial de Deficiências Visuais (CEEDV) comenta que a pintura é algo que pratica nas aulas e se tornou uma paixão. "Além de pintar, gosto de música", destaca Vitório, que deseja mais momentos como esse, para continuar demonstrando o amor pelo que faz.
Importância do trabalho
Subsecretária de Educação Inclusiva e Integral do DF, Vera Barros avalia que dar protagonismo aos estudantes portadores de alguma deficiência é um elemento fundamental para que o debate sobre políticas nacionais de inclusão tenha mais relevância. "A Legislação nós temos, o que precisamos é cumprir ela ao lado da sociedade", complementa.
A seleção dos 80 estudantes ocorreu por meio do Centro de Escola Bilíngue de Taguatinga, voltada para surdez, e do CEEDV, onde cerca de 40 alunos foram escolhidos. Discentes deficientes auditivos de uma escola de Ceilândia também participaram da oficina.
A diretora da Kingdom School, Alice Simão, responsável por ceder o espaço para a iniciativa, ressalta a necessidade de levar arte e amor, bem como incluir pessoas com algum tipo de deficiência no contexto cultural. "Para eles, é um momento ainda mais forte e especial, porque são pessoas com uma vida social limitada. Quem dirá artístico, quem dirá cultural", destaca. Para a escola, ela reafirma a alegria em disponibilizar o ambiente para projetos como este, que educam e dão esperança e motivos para continuar.
Deficiente auditiva e visual, Tatiane Miranda, 41, comenta alegre que faz artes plásticas há cerca de três anos. "Gosto de pintar mosaicos, lá na escola, eu estou fazendo as nuvens e a lua", conta a moradora de Sobradinho. Paulo Dutra, 54, é deficiente visual desde 2015, mas consegue enxergar algumas coisas, como tons de cores em determinados objetos. Apesar das dificuldades, o morador de Taguatinga revela que não tinha o costume de se envolver com artes. Agora, depois da oficina, o interesse mudou. "Pintei o Congresso Nacional de azul, verde e amarelo. Me senti muito feliz", confessa.
Homenagem
Carlos Bracher concebeu esculturas para homenagear amigos, como o escritor Affonso Romano Sant'Anna, mas nunca havia se dedicado a uma figura histórica. Agora, após uma conversa com o jornalista Silvestre Gorgulho, ele decidiu criar uma obra em homenagem ao engenheiro e calculista Joaquim Cardozo. A entrega do projeto será realizada hoje, mas Bracher prefere ainda não revelar os detalhes da obra. Será uma escultura, certamente. Possivelmente em bronze.
Para o artista mineiro, a homenagem é mais do que justa. "Não há uma homenagem ao Joaquim Cardozo e, sem ele, não existiria a obra física do Niemeyer", repara Bracher. "O Niemeyer era um louco maravilhoso e fazia obras impossíveis de serem construídas, daí chega esse pernambucano, poeta, escritor, dramaturgo e engenheiro e fez cálculos dificílimos de concreto."
O artista lembra que obras monumentais como as cúpulas do Congresso Nacional e as colunatas do Palácio do Alvorada tornaram-se símbolos da arquitetura moderna e de Brasília. "O sujeito que faz aquelas colunatas do Alvorada, aquilo tem 10 toneladas e vem apoiada num ponto. Joaquim Cardozo deu sustentabilidade técnica à obra do Niemeyer", garante.
Ainda não sabe se realizará uma escultura de corpo inteiro para homenagear o engenheiro ou se a obra terá outra forma. "Imaginei essa escultura nos últimos dias", diz. "A gente vai estudar ainda onde vai ser. Inicialmente, pensei em algo de corpo inteiro, mas evoluí a ideia para não ser de corpo inteiro." Ele lembra que Brasília tem, pelo menos, quatro esculturas públicas em homenagem a Juscelino Kubitschek, mas nenhuma dedicada a Oscar Niemeyer, Lucio Costa ou Israel Pinheiro. "É outro projeto que tenho, de homenagear os pioneiros", avisa.