Embora não tenha sido escrito nos anos trinta, época em que predominou na Literatura Brasileira a chamada geração neorrealista, com a publicação de vários romances significativos que marcaram esse período rico da nossa literatura, como A Bagaceira (1928), de José Américo de Almeida (1887-1980); São Bernardo (1934), de Graciliano Ramos (1892-1953); O Quinze (1927), de Raquel de Queiroz (1910-2003); Caminhos Cruzados (1935), de Érico Veríssimo (1905-1975); Capitães de Areia (1937), de Jorge Amado (1912-2001), dentre outros, que tinham como características principais em suas temáticas o retrato cruel, pessimista e desolador da realidade brasileira com seus elementos históricos e sociais nocivos. O romance Céu de Estrelas, escrito por volta de 1986 à mão por um jovem carpinense, egresso da escola pública estadual, onde havia terminado o curso ginasial com todas as deficiências e mazelas pedagógicas da época e que até hoje prevalecem, contava a história de três jovens adolescentes determinadas que, marcadas por intensas transformações psíquicas, físicas e sociais, se reúnem na Praça Central da cidade de Carpina em plena Festa de Réis e começam a bolar um plano de mudança de vida e de atitude: se mandarem daquela cidadezinha acolhedora, mas sem vida, sem perspectiva de trabalho, sem novidades, sem acontecimentos relevantes de uma grande metrópole onde, acreditavam, as revoluções culturais, científicas, econômicas, políticas e sociais aconteciam e o mundo tomava conhecimento instantaneamente.
É nesse ambiente de jubilação, depois daquela véspera efervescente da Festa de Reis dos idos de oitenta que as jovens tomam uma decisão inesperada: no dia seguinte viajam até a Estação Rodoviária do Recife, compram três passagens na Itapemirim e, sem o conhecimento da família, numa madrugada sombria e sinistra duma segunda-feira, se mandam da cidade natal rumo à cidade maravilhosa em busca de novos ares, novas oportunidades, que só uma metrópole podia oportunizar – acreditavam.
E assim, caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento, como diz a canção do gênio de Santo Amaro da Purificação, rumam as três jovens à cidade grande em busca do incerto, do inesperado, do desconhecido, deixando as famílias apavoradas porque a única pista que haviam deixado dessa aventura fora um bilhete assinado pelas três dirigidos aos familiares com os seguintes dizeres: mãe, pai e irmãos, não se preocupem. Partimos em busca de uma vida melhor. Assim que chegarmos, daremos notícias onde estamos. Beijos!
Mal começa a viagem, e as jovens já começam a sentir o gosto amargo do inferno: o início das ações marginais urbanas que atingem e apavoram os coletivos de forma assustadora e irreversível. Bandos armados assaltando tudo pela frente, empunhando a violência e o terror. E o pior: não encontravam nada!
Numa dessas investida apavorante, já prenunciando o cenário instalado na cidade maravilhosa nos idos de oitenta, um bando de ensandecido armado até os dentes, toma o coletivo de assalto, barbariza com os passageiros e ordenam ao motorista arrastar o coletivo até a cidade de Deus. O resto dessa história profética e assustadora só depois da publicação do romance que, infelizmente, nunca será lançado porque o ciúme, que destrói tudo sem ter razão, lhe deu um fim trágico-cômico: virou cinza nas chamas do candeeiro.
Esse era o enredo do romance Céu de Estrelas que já prenominava o inferno que viria a serem as cidades grandes do futuro, como São Paulo e Rio de Janeiro – principalmente esta onde a história se passava -, hoje dominada por milícias, quadrilhas, bandos armados, tráfegos de drogas, assaltos, assassinatos, corrupção desenfreada, um verdadeiro caos sem solução à vista, onde a classe política dá a tônica projetando um caos social eterno.
Depois desse trágico incidente com o rascunho do romance destruído nas chamas da lamparina, esse jovem romancista teve um desgosto tão da molesta do cachorro que se isolou no sítio que comprou do segundo sogro, situado à beira do rio Capibaribe, na divisa entre Lagoa do Carro e Limoeiro, e tomou a mesma decisão do romancista americano Jerome David Salinger, ou J. D. Salinger (1919-2010), autor do romance The Catcher in the Rye (1951) (O Apanhador no Campo de Centeio), em tradução brasileira. Construiu uma casa de taipa dentro e lá vive até hoje isolado da civilização, criando bodes, cavalos, bois, jegues, galinhas, pirus, pavões. Alimentando canários, papa-capins, pintassilgas e galos de campina no campo livre. Ouvindo as canções do bardo Elomar Figueira Mello, ou Elomar, como Na Quadrada das Águas Perdidas, Fantasia Leiga para um Rio Sêco, Das Barrancas do Rio Gavião, Auto da Catingueira, Árias Sertânicas, Concerto Sertanez e tantas outras árias. Talvez tentando esquecer até hoje o fim trágico do seu primeiro romance, destruído nas chamas da lamparina por um ciúme adolescente doentio, dominador, patológico, que nem Freud explica.