O número de 100.000 mortos pela covid-19 no Brasil chegou, já foi superado e, aparentemente, o público não ficou nem mais nem menos chocado do que já estava; talvez esteja chegando aos limites da sua capacidade de mostrar-se espantado com as notícias sobre a tragédia. Ao mesmo tempo, essa cifra calamitosa coincidiu com o que parece ser uma estabilização na quantidade de vítimas diárias – e, em resultado, as decisões de abrandar a quarentena que estão sendo tomadas por um número crescente de governadores e prefeitos pelo país afora. Seria uma tendência? Nos países que resolveram voltar por etapas à normalidade, não houve até agora nenhum recuo importante no rumo do confinamento extremo. Como a situação no Brasil tem acompanhado, mais ou menos, o que aconteceu lá fora, é de se supor que também aqui a retomada continue.
Não é possível minimizar o tamanho desse desastre, dizendo que, no fim das contas, não foi “tudo isso”; é tudo isso. Mas também não é mais do que isso. Tornou-se uma lei política, ideológica e moral, nos setores da sociedade brasileira que se imaginam capazes de pensar melhor do que todos os demais, defender o “distanciamento social”, como se diz, acima e além de qualquer outra necessidade do país.
É errado, segundo esse credo, fazer a mínima reflexão sobre realidades que considerem alternativas ao “fique em casa”. Mas as tentativas de se olhar as coisas como elas são, apenas isso, não podem ser tomadas como uma agressão à pátria – ou como um inventivo ao genocídio, ao fascismo e à “extrema direita”.
Em relação ao número de mortos de modo específico, não há, pela lógica mais elementar, nenhuma razão para o Brasil ter resultados melhores que os foram verificados em países muito mais desenvolvidos, com administração mais organizada e serviços públicos de saúde notoriamente superiores aos nossos. Por que a epidemia no Brasil deveria se comportar de um jeito diferente? Os Estados Unidos, que têm um PIB de 20 trilhões de dólares, ou dez vezes maior que o do Brasil, registram até o momento cerca de 165.000 mortos – 60% a mais.
O Reino Unido, a França e a Itália, com os seus tão festejados sistemas sociais de assistência médica, têm, somando os três, uma população menor que a brasileira; mas o total de mortos ali é praticamente o mesmo que aqui. Em todos esses casos, o número de óbitos por milhão de habitantes é superior ou equivalente ao que o Brasil teve até agora. Nenhum ministro do STF, nem qualquer figura de destaque do “campo progressista”, disse que há genocídio nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, na França ou na Itália; “genocídio”, pela nova religião, é coisa que só acontece no Brasil.
A covid-19 já é uma tragédia humana suficientemente horrível. Não há nenhuma necessidade de aumentar a desgraça real com exploração política oportunista, rasteira e irracional.