Luka Modric tinha só seis anos quando, a poucos metros da porta de casa, teve o avô assassinado por tiros de metralhadora. A morte de Luka, que inspirou o nome do neto, aconteceu há 31 anos em meio a sangrenta Guerra da Croácia, e deixou marcas que fizeram com que o capitão da seleção do país evitasse falar publicamente sobre o assunto por décadas.
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O avô Luka tinha 66 anos e trabalhava reparando estradas e pastoreando animais no vilarejo de Zaton Obrovački, no sul do país. O neto ficava com ele e a mulher, Jela, enquanto os pais, Stipe e Radojka, trabalhavam numa fábrica de tecidos a poucos quilômetros dali.
O menino, neto mais velho do casal depois de duas meninas, era o xodó do avô. Na autobiografia publicada em 2020, o meia do Real Madrid conta do carinho a mais que recebia do patriarca da família e das "reações bondosas" dele às suas travessuras de criança.
"Meu pai sempre diz que ele era apaixonado por mim. Vovô Luka não tratava ninguém com tanta suavidade e meiguice. Todos ficavam sem palavras - principalmente meu pai, que sabia o quão duro meu avô era. Quando você é criança, você não reconhece, mas naquelas horas felizes que passamos juntos brincando, conversando com o outro, senti sua bondade e calor e a paciência com que me transmitiu seus conhecimentos. Só hoje, depois de ter amadurecido e passado por muita coisa, eu entendo completamente essas emoções", escreveu o atleta.
As mudanças de Modric, do visual à função em campo
A presença afetuosa do avô, no entanto, foi "colossal e traumaticamente" arrancada em 1991, quando a guerra começou. Depois de a Croácia ter declarado independência da Iugoslávia, a minoria sérvia do país entrou em conflito com as forças croatas leais ao governo. Nos quatro anos pelos quais os confrontos se arrastaram, cerca de 20 mil pessoas acabaram mortas e 400 mil ficaram desabrigadas.
O avô de Modric cuidava de ovelhas e cabras, perto de casa, quando foi abordado por um grupo de Chetnicks, movimento paramilitar sérvio que enfrentava os croatas. As tropas tinham ocupado a área onde a família vivia, mas ele não tinha percebido o quão perigosa a situação era. Segundo descreveu o jornal croata "Zadarski List" anos depois, os homens questionaram quem Luka era, pouco antes de o executarem.
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“Lembro-me de meu pai me pedindo para beijá-lo quando ele estava no caixão. Foi um momento trágico. A guerra nunca traz o bem a ninguém”, disse Modric ao "The Guardian" na época do lançamento do livro.
Depois da morte do avô, a família do atleta fugiu do vilarejo. Primeiro, eles foram para um campo de refugiados em Makarska e em seguida para Zadar. Lá, foram alojados no Hotel Kolovare, transformado em centro improvisado para os exilados da guerra.
Modric ainda criança jogando futebol no estacionamento do Hotel Kolovare — Foto: Reprodução/Acervo Pessoal
Foi no estacionamento do local, onde a família ficou por sete anos, que o menino começou a jogar futebol, com outras crianças na mesma situação que ele. Em meio aos bombardeios da guerra, eles precisavam suspender as partidas e se abrigar.
A casa que ficou para trás, à beira da estrada que leva até a cadeia de montanhas Velebit, acabou virando ponto turístico, e hoje é visitada por torcedores do jogador. O pequeno prédio de pedra passou por incêndios, e está praticamente em escombros. O telhado já não existe mais, assim como as janelas. Atrás da construção, uma placa alerta: "Não se aproxime: esta área pode ter minas terrestres não detonadas".
Placa nos fundos da casa da família de Modric alerta para minas terrestres — Foto: AFP
Quando Modric tinha 10 anos, uma professora pediu que os alunos escrevessem uma história sobre algo que os marcou. A dele foi sobre granadas explodido e a morte de seu avô.
“Embora eu ainda seja pequeno, experimentei muito medo em minha vida. O medo de bombardear é algo que estou lentamente deixando para trás. Os chetniks mataram meu avô. Eu o amei tanto. Todo mundo chorava… Eu perguntava se aquelas pessoas que fizeram isso e que nos fizeram fugir de casa podem ser chamadas de gente.
A história veio a público na Copa de 2018, quando a seleção croata saiu vice-campeã.
“Sempre me lembro dele quando algo grande está acontecendo. Gostaria de tê-lo por perto para ver o que fiz no futebol e na minha vida pessoal – meus três filhos maravilhosos, minha esposa. Gostaria que ele estivesse aqui para ter seus bisnetos ao seu redor. É uma pena que ele não esteja conosco, mas é assim que as coisas são. Não tenho ódio de ninguém. Você segue em frente", disse ele, também ao "The Guardian".