Na história da Estação Primeira de Mangueira, poucos dias foram mais tristes do a Quarta-feira de Cinzas de 11 de fevereiro de 1970, há 50 anos. A escola estava em pleno desfile quando a querida passista Nair Pequena, uma das fundadoras da Verde-e-Rosa, sofreu um mal súbito e foi levada para o Hospital Municipal Souza Aguiar. Os componentes da agremiação ainda estavam por completar o trajeto quando chegou a notícia da morte da veterana, aos 72 anos. Atordoados, eles tentaram continuar o espetáculo, mas não teve jeito. A bateria parou, e o então presidente da Mangueira, Juvenal Portela, anunciou o óbito ao microfone, com voz emocionada. A partir de então, o desfile virou marcha fúnebre, com os integrantes caminhando de cabeças baixas ao som de um surdo triste, em toque de funeral.
- Não podemos continuar sem Nair, uma de nossas diretoras, a imagem de luta e sacrifícios da nossa escola. Ela começou esse desfile conosco, e só a morte a retirou da escola. Não podemos prosseguir - disse Portela ao público, de acordo com a edição do GLOBO de 12 de fevereiro.
Na tarde daquele 11 de fevereiro, o corpo de Pequena Nair jazia em cima de uma mesa, com quatro velas ao redor e um cruscifixo, na quadra da Mangueira, que por conta do luto tinha sua bandeira a meio-pau. O compositor Cartola, autor de tantos sambas clássicos, chorava muito, num canto, enquanto sua mulher, Zica, não saía do lado da amiga, que estava com ela quando passou mal, na madrugada anterior. Mais de 2,5 mil pessoas foram ao Cemitério do Caju. Coberto com a bandeira da Mangueira, o caixão foi carregado pelos baluartes Jamelão e Cartola, junto com Juvenal Portela e o vice-presidente da escola, Djalma dos Santos, entre outros. O relógio marcava 17h quando a passista foi enterrada, em cova rasa. Muita gente chorou naquele que era o último cortejo da passista.
A passista seria lembrada diversas vezes depois de sua morte. Ainda em 1970, os compositores Ubirajara Cabral e Carlos Pereira de Sousa escreveram "Quero morrer sambando", em homenagem a Nair. Quase 40 anos mais tarde, a cultuada cantora Alcione lançou "Nair Grande", faixa do disco "Acesa", de 2009.
- Nair era minha madrinha. Naquela época, os pais levavam seus filhos recém-nascidos para ela mostrar a lua cheia. Era uma tradição no Morro da Mangueira. Nair era uma pastora, muito conhecida e respeitada na comunidade - relembra Edson Marcos, presidente do Conselho Deliberativo e Fiscal da escola, que, aos 11 anos, estava na Presidente Vargas no momento da morte da passista. - Nair também era uma cozinheira excelente, fazia as feijoadas da vitória, quando a Mangueira era campeã, junto com a dona Zica e a dona Neuma.
Nair dos Santos foi uma das fundadoras da Mangueira, em 1928. Ela também criou a primeira ala feminina da escola, a Ala das Cozinheiras, mas foi na ala das baianas que a veterana ganhou fama nos desfiles. A passista morreu quando a Mangueira participava do desfile das campeãs, em 1970, por volta das 3h da madrugada, na Avenida Presidente Vargas, onde as escolas se apresentavam até a inauguração do Sambódromo, em 1984. Já tinham passado pela via no Centro do Rio o Bloco Canários de Laranjeiras e as escolas Unidos do Cabuçu e Unidos do Jacarezinho, quando entrou a Verde-e-Rosa. A notícia de seu falecimento decretou o luto na Presidente Vargas. Pouca gente ficou para ver a exibição da Acadêmicos do Salgueiro, que começou às 4h15 da manhã.
- Eu uma criança, mas já tocava caixa na bateria. Quando soubemos do falecimento da Nair, o desfile parou, e chamaram o Baiano, que tocava o surdo treme terra, um surdo gigante, para fazer a batida fúnebre. A escola inteira tirou os chapéus, enquanto a arquibancada toda aplaudia. Fico todo arrepiado quando lembro. Os componentes da escola choravam como se tivessem perdido a mãe - conta Elmo José dos Santos, ex-presidente da Mangueira.