Juliana Sucupira, de 46 anos, não poderia imaginar que o distanciamento social que a forçou a ficar em casa, desde meados de março, por causa da pandemia do coronavírus, provocaria uma revolução na vida. Há 50 dias, ela canta, da janela de seu apartamento na Gávea, pontualmente às 18h. Desde então, a voz cristalina da cantora lírica vem deixando o coração da plateia que a acompanha — formada por vizinhos e por quem a assiste por meio do seu perfil no Instagram @ju_sucupira — mais leve.
A partir daquele domingo, a cantoria de Juliana virou encontro marcado para os moradores do bairro da Zona Sul. Para conseguir mais alcance, dez dias depois, ela incorporou uma caixa de som e um microfone. “Gravo uma versão orquestrada e canto por cima”, explica. Ela seleciona uma música por noite e tem repertório eclético. “Tom Jobim, Beto Guedes, Beatles, músicas como ‘Imagine’, de John Lennon, e ‘The sound of music’, de ‘A noviça rebelde’. Aos domingos, sempre ‘Ave Maria’”, lista. Juliana também fez questão de homenagear o músico Moraes Moreira, de quem era vizinha, no dia da sua morte, mês passado, cantando, na despedida do compositor, “Brasil pandeiro”, “Pombo correio” e “Preta preta pretinha. “A gente se encontrava sempre na rua. Quando estava com meu marido e os meus três filhos, ele nos chamava carinhosamente de família.”
O sucesso da cantora — que é bacharel em canto lírico, integrante do Coro Sinfônico do Rio de Janeiro e está à frente do grupo Astorga, especializado em casamentos e festas — pode ser medido pelas mensagens que recebe. “Numa delas, me escreveram que o dia se divide entre antes e depois das 18h. Alguns vizinhos pedem para eu mandar beijo durante a apresentação”, conta. “Também já deixaram chocolate e até champanhe na minha portaria. Estou me sentindo a Xuxa.”
Pertencente a um grupo de risco por ter tido, há quatro anos, câncer de rim, a cantora não tem colocado o pé na rua. “Estou presa em casa. Tem dias que não estou bem, mas me animo por saber que vou cantar. No meio de tanta tristeza, percebi que estou espalhando um vírus do bem”, pondera.
Ela faz planos para o futuro. “Para retribuir tanto carinho, pretendo fazer um concerto gratuito na Praça Santos Dumont, na Gávea. Não sei ainda como, mas vou me virar e o espetáculo vai acontecer.”