CANTIGA
Álvares de Azevedo
Em um castelo doirado
Dorme encantada donzela...
Nasceu; e vive dormindo
— Dorme tudo junto dela.
Adormeceu-a, sonhando,
Um feiticeiro condão,
E dormem no seio dela
As rosas do coração.
Dorme a lâmpada argentina
Defronte do leito seu;
Noite a noite a lua triste
Vem espreitá-la do céu.
Voam os sonhos errantes
Do leito sob o dossel
E suspiram no alaúde
As notas do menestrel.
E no castelo, sozinha,
Dorme encantada donzela...
Nasceu; e vive dormindo
— Dorme tudo junto dela.
Dormem cheirosas, abrindo,
As roseiras em botão...
E dormem no seio dela
As rosas do coração.
A donzela adormecida
É a tua alma, santinha,
Que não sonha nas saudades
E nos amores da minha.
— Nos meus amores que velam
Debaixo do teu dossel
E suspiram no alaúde
As notas do menestrel.
Acorda, minha donzela,
Foi-se a lua, eis a manhã
E nos céus da primavera
É a aurora tua irmã.
Abriram no vale as flores
Sorrindo na fresquidão:
Entre as rosas da campina
Abram-se as do coração.
Acorda, minha donzela,
Soltemos da infância o véu...
Se nós morrermos num beijo,
Acordaremos no céu.