Sábado, com a claridade do dia dizendo até amanhã, era comum muitas das casas daquelas ruas onde moravam o amor e o bom gosto, as radiolas ligadas e sendo a principal mobília da sala. A sala iluminada e exalando aquele perfume inconfundível de limpeza e enceramento com Parquetina, havia até quem preferisse iluminação diferente conferindo a presença do romantismo. Coisa de épocas passadas. Coisa dos anos 50, embora houvesse até quem aumentasse o volume da radiola quando tocava: “Vinha por este mundo sem um teto, dormia as noites num banco tosco de jardim, sem ter a proteção de um afeto, todas as portas estavam fechadas para mim…mas Deus, que tudo vê e nos consola, em seu sagrado templo me acolheu….”
Vicente Celestino se transfigurava numa letra à qual se entrega como se um eterno Ébrio fora e não tivesse jamais encontrado uma Porta Aberta.
Era música, sim. As músicas diziam algo com as letras, sim. Tínhamos cantores, sim. Tínhamos cantoras também, sim.
Para onde foram? O que aconteceu com esses mágicos que nos diziam do amor e da beleza da vida?
E hoje?
Por que as cantoras, em vez de estudar canto, vão para as academias de ginástica para moldar as bundas?
As bundas cantam? As bundas são o que?
Por que se apresentam (principalmente nos programas televisivos) com mais da metade dos seios de fora?
Seios cantam?
Não. Não tenho nada contra bunda e muito menos contra seios. Adora bundas e adoro seios. Gosto de acariciá-los, se femininos.
Dolores Duran
E eis que chegou o tempo da doçura mágica e acalentadora dos fins de tardes ouvindo Dolores Duran. Músicas suaves, letras doces que acalentavam em confirmação do amor que habitava nas pessoas. Que existia em nós.
Assim:
“No ar parado passou um lamento
Riscou a noite e desapareceu
Depois a lua ficou mais sozinha
Foi ficando triste e também se escondeu
Na minha vida uma saudade meiga
Soluçou baixinho
No meu olhar
Um mundo de tristeza veio se aninhar
Minha canção ficou assim sem jeito
Cheia de desejos
E eu fui andando pela rua escura
Pra poder chorar.”
E aí a fila andou. Os tempos mudaram os grandes cantores e cantoras deram o ar da graça. Elizete Cardoso, Marlene, Ângela Maria, Dóris Monteiro, até que o Rio Grande do Sul nos apresentou e o mundo conheceu essa até hoje insubstituível Elis Regina, desafiando o sistema, correndo sobre o fio da navalha e dizendo e cantando o que queria e o que queríamos ouvir: música!
“Quando olhaste bem
Nos olhos meus
E o teu olhar
Era de adeus
Juro que não acreditei
Eu te estranhei me debrucei
Sobre o teu corpo
E duvidei
E me arrastei
E te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
No teu peito
Teu pijama
Nos teus pés, ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta…”
Elis a maior entre as maiores em todos os tempos
Essa época de ouro da música brasileira nos trouxe e nos privilegiou com cantores e cantoras da melhor qualidade. Gente que jamais será desbancada por outros. Não há como. Não vamos ficar citando nomes, pois são muitos. Foram muitos.
Louve-se, também, a qualidade dos compositores que vão desde Lupiscínio, Donga, Cartola, Evaldo Gouveia, Jair Amorim que compuseram músicas que consagraram os cantores e cantoras daqueles anos.
E aí chegaria o tempo de conhecermos Maysa, que cantava por que gostava de cantar. Não dependia financeiramente da músicas para viver. Cantava por prazer.
Maysa Matarazzo
“Meu mundo caiu
E me fez ficar assim
Você conseguiu
E agora diz que tem pena de mim
Não sei se me explico bem
Eu nada pedi
Nem a você nem a ninguém
Não fui eu que caí…”
Quem ouviu e conheceu Elis Regina e Maysa Matarazzo, sabe bem como e por que faleceram precocemente. Faleceram em pleno e total reinado da qualidade técnica.
Nada temos com a vida pessoal desses gênios musicais, muito menos com a vida e o comportamento pessoal dos atuais cantores e cantoras. Nosso tema se prende exclusivamente à qualidade vocal e na maioria das vezes à qualidade interpretativa.
Os cantores e cantoras de hoje nada mais fazem que mostram a bunda
O momento atual da música brasileira, principalmente no que tange às apresentações com imagens pelo sistema de televisão é ridículo. Péssimo. Sem qualidade nas letras, sem qualidade interpretativa e com enorme apelo para o sexo.
Nada contra o sexo. Muito pelo contrário. Apenas não concordamos com o que é mostrado na televisão em qualquer horário da programação.