Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 03 de novembro de 2018

CANTADORES E POETAS POPULARES - 6

 

CANTADORES E POETAS POPULARES - 6

Uma histórica e magnífica obra da cultura popular nordestina, da autoria de Francisco das Chagas Batista

Respeitada a ortografia da época

 Manoel Leopoldino Nogueira e Bernardo Serrador

Serrador

-Vou pintar a desventura
Do infeliz sertanejo.
Segundo o que sei e vejo,
Essa infeliz creatura
Pode ter boa figura.
Porem tem a maldição;
Quer no inverno ou no verão.
Seja o anno bom ou máo,
Só come raiz de páo,
Sertanejo no sertão.

Nogueira

Este poéta, por certo,
E’ um matuto infeliz
Que nem sabe o que é que diz;
Pôe-se a fallar no dezerto
Porem agora de perto,
Queira prestar-me attenção;
Matuto soffra o carão.
Aguente eu reprehendel-o;
Não vive desse modélo,
Sertanejo no sertão.

Serrador

– Se por infelicidade
Não chove logo em Janeiro,
0 sertanejo é o primeiro
Que soffre necessidade;
Bem contra sua vontade,
Recorre logo ao pilão;
E tal seja a precisão
Que come crú o cherem;
E’ esse o prazer que tem.
Sertanejo no sertão.

Nogueira

– Por isso não, que na matta
Chove quasi o anno inteiro.
Porem se encontra brejeiro
Com precisão bem ingrata
Só se sustenta em batata.
Couve, bredo e fructa-pao,
Carangueijo e camarão,
Beijù molle, angù de massa,
E não é assim que passa
Sertanejo no sertão.

Serrador

Sertanejo, está provado
Que não tem nem um prazer;
Não possúe o que comer
E só vive flagellado;
De tudo é necessitado,
Isso quer queira, quer não;
Quasi sempre a precisão
Que o vêxa é muito seria;
Sempre vive na miséria.
Sertanejo no sertão.

Nogueira

– O pessoal sertanejo
Sempre vive na fartura;
Come carne e rapadura,
Leite, coalhada e queijo;
Come, a matar o desejo,
Perú, gallinha e capão;
Lombo, arroz , bife e leitão
Peixe, linguiça e toucinho,
Come dôce e bebe vinho,
Sertanejo no sertão.

 

Serrador

Sertanejo, com certesa
Começa desde a infancia
A viver na circumstancia.
De soffrer fome e nuesa;
Não sabe o que é grandesa
De dinheiro em sua mão;
Só vive em revolução
Quando a secca se approxima;
Eu não sei porque intima,
Sertanejo no sertão.

Nogueira

Sertanejo quando nasce
Tem rêde para dormir,
Cobertor p’ra se cobrir,
E cama para deitar-se;
Tem recurso com que passe;
Gado, animal, criação;
E, conforme a posição,
Que até engenho tem;
Anda lorde e passa bem
Sertanejo no sertão.

Serrador

Quando a secca se apresenta,
0 sertanejo atrazado,
Na madeira do lastrado
E’ só em que se sustenta;
Dessa comida nojenta,
Faz um safado pirão,
Come sentado no chão,
Com colher de chifre de boi
Assim é e sempre foi
Sertanejo no sertão.

Nogueira

– Foi muito usada essa alfaia
Pelo pessoal caduco;
No tempo em que Pernambuco
Era de casa de paia,
Olinda era uma praia,
Caxangá um lamerão
0 Brejo uma solidão
Habitado por cabôcos
Nesse tempo havia poucos
Sertanejos no sertão.

Serrador

O sertanejo pabula,
Porém tem a sorte peca,
Porque quando chega a secca
Do sertão sem geito pula;
Soffrem sem ter escapula
Todos quanto lá estão;
Nas estradas ha porção
De gente descendo a pé ;
Pôr essa forma é que é
Sertanejo no sertão.

Nogueira

– Desce aquelle que não tem
0 recurso com que passe;
De gente de certa classe,
Não se vê descer ninguém
Passa a secca muito bem;
Sem a menor afflicção
Com os que têm precisão;
Reparte o seu possuido,
Porque é muito bem unido
Sertanejo no sertão.

Serrador

No sertão, o pessoal
Luxa com pouca decencia ;
Não ha homem de sciencia.
O povo é material ;
E neste estado brutal
Vive a população,
Ha muito pouca instrucção,
Não se vê civilidade;
Vive na brutalidade
Sertanejo no sertão.

Nogueira

– Poéta é seu engano:
Lá ha luxo e magnifico,
E tem homem scientifico
Como qualquer praciano;
O pessoal é humano.
Chegado á religião,
E ha civilisação.
Respeito e moralidade,
Tem muita capacidade
Sertanejo no sertão.

Serrador

– O sertanejo não pode
Pabular que passa bem ;
No corpo catinga tem
De comer carne de bode,
E nenhum não se incommode
Com essa declaração;
Angú de milho e feijão
Que macassa é seu nome;
E’ justamente o que come
Sertanejo no sertão.

Nogueira

– Bode mais valia tem
E’ da praça no mercado ;
Custa um kilo mal pesado
Dez tostões e mil e cem,
E não chega p’ra ninguém ;
Ha grande procuração;
Angú de milho, um tostão.
E’ sempre a preço de um pires;
Portanto não se admires
De Sertanejo no sertão.

Serrador

Eu acho muito custoso
No sertão se encontrar
Um só pequeno lugar
Que não seja desditoso ;
Por um direito forçoso,
Vive o povo em sujeição;
Em qualquer um rebentão
De secca que possa haver;
Só vive nesse soffrer
Sertanejo no sertão.

Nogueira

– Poéta não diga assim
Porque está fallando errado ;
No sertão está provado
Que não ha lugar ruim;
No anno de secca emfim
Sempre ha pertubação,
Mas passado o rebentão
Da secca, vem o inverno,
Tem auxilio do Eterno
Sertanejo no sertão.

Serrador

– O sertanejo é criado
Vestindo fazenda grossa,
Ainda que elle possa
Só sabe andar mal trajado ;
Emfim só é bem usado
Chapéo de couro e gibão ;
Tendo essa arrumação
Julga que está direito,
Só anda assim desse geito
Sertanejo no sertão.

Nogueira

– No sertão qualquer pessoa
Que pode, só traja bem ;
Raro é o que não tem
Sua fatiota bôa ;
Poéta não falle atôa,
Que falla contra a razão ;
O trajar com perfeição
No sertão é praxe antiga;
Passa bem e anda na liga,
Sertanejo no sertão.

Manoel Serrador, confundido com as respostas
do poéta sertanejo, deu-se por vencido. Então
Bernardo Nogueira continuou glosando sob o thema :

“Matuto no lameirão”.

Serrador, porque te agastas
E fallas do sertanejo ? _
Eu bem claramente vêjo
Que da verdade te afastas ;
Noto também que arrastas
Um pouco de presumpção ;
Presta-me agora attenção
Que no meu verso rimado
Vou mostrar como é criado
Matuto no lameirão.

Matuto nasce no escuro
E põe-se logo o chorar
Dão-lhe antes de mamar,
Garapa de mel de furo ;
O pirão que tem seguro
E’ timbú e camaleão.
Caranguejo e camarão
Cosinhados com pimenta
E’ só em que se sustenta
Matuto no lameirão.

Matuto, é pelo commum;
Sentiu pejada a muié,
Vae tirar cipó de imbé
P’ra fazer seu panicum ;
Não tem mesa e estende um
Sacco de estopa no chão ;
Faz alli, a refeição,
E á noite estando cançado
Dorme sobre o encerado
Matuto no lameirão.

Se o Matuto é arranjado,
Possúe um magro quartáu,
Se sustenta em bacalháu,
Com pirão d’agua salgado :
Come em cima do encerado,
Com catinga de alcatrão;
Bicho de pé como um cão.
Cada dedo mais de cem ;
E’ esse o gosto que tem
Matuto no lameirão.

A sella é uma cangalha
Com cordas inquirideiras.
Coberta com uma esteira
Onde o matuto se espalha ;
Usa um chapéo de palha,
Um chicote, um cinturão,
Sacco ao hombro e pé no chão,
Julgando que está composto,
Leva a vida nesse gosto
Matuto no lameirão.

Não fallo em senhor de engenho,
E negociantes honrados
Espalha em lugar de escancha
Porque esses são respeitados,
Delles nada a dizer tenho ;
Apenas me queixar venho,
E me queixo com razão ;
E’ no matuto vilão
Que assenta essa carapuça ;
Como porco a lama fuça,
Matuto no lameirão.

Da terra eu não digo nada
A respeito a fallar mal,
Pois é até um bom lugar
Que tem agua refinada
Isto porem não me agrada
Lá no sertão também tenho
Fallarei com grande empenho,
Collega não me contestes
Que no sul tem duas pestes
Saúva e Senhor de engenho.


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