Uma histórica e magnífica obra da cultura popular nordestina, da autoria de Francisco das Chagas Batista
Respeitada a ortografia da época
AS OBRAS DA NATUREZA – Ugolino Nunes da Costa
As Obras da Natureza
São de tanta perfeição
Que a nossa imaginação
Não pinta tanta grandeza !
Para imitar a belleza
Das nuvens com suas cores
Se desmanchando em lavores
De um manto adamascado,
Os artistas com cuidado
Da arte applicam os primores.
Brilham nos prados verdumes
De um tapete avelludado,
Brilha o rochedo escarpado
Das penhas seus altos cumes;
Os montes formam taes gumes
Que a gente os observando
Vê como que alongando
Perder-se na immensidade,
A nossa visibilidade
Os perde se está olhando.
Correndo as aguas se arrastam
Tornando-se brancalhetes
E mui lindos ramalhetes
De espumas que as aguas gastam.
Fugindo logo se affastam
Esses mantos de brilhantes:
São pérolas lindas galantes
Que a cachoeira as atrai,
E esta, murmurando vae
Nos chamando ignorantes.
Grandes cousas se dizia
Só de um bosque se fallando,
Mas apenas vou tocando
No que tem mais poesia ;
Como a sombra que allivia
A natureza agitada
Como a relva avelludada
Que posta em duas fileiras
Se estende nas ribanceiras
Da fonte cristallisada.
Um prado em seu verdume
Semeado de mil flores,
Com suas variadas cores,
Exalando seu perfume.
Qual o homem que presume
Pintar a tanta belleza.
Porem toda essa grandeza
E’ de Deus um privativo.
Que como sabio e activo
Confiou-a á natureza.
Impera sobre um penedo
A aguia que alli habita
De natureza esquesita,
Dominando o alto rochedo
E’ ave que não tem medo ;
Por sua coragem impera !
Desdenha de qualquer féra
Com arroubo desmedido.
Atordoa e faz temido
Tudo quanto ali prospera.
De um bosque a solidão
E’ tocante e faz pasmar,
Vê-se o sabiá cantar
Retumbar como um trovão,
Alli o filho de Adão
Conhece o Deus verdadeiro.
Por ver correr o ribeiro
Entre as penhas murmurando
E como prata espelhando
A’ luz do sol o aguaceiro.
Equilibrada se vê
A penha sobre outra penha
Sem que qualquer homem tenha
Aprumado-a sem pender;’
0 seu estado faz crer
E obriga o curioso
Adorar o poderoso
Autor desta maravilha,
Que por toda parte brilha
Seu poder tão glorioso;
O homem fica absorto
Dentro de um bosque embebido.
Vendo trancado o tecido
De um pau direito outro torto,
Olha e vê sobre um páo morto
Alturas admiráveis.
Brincando, saltando as aves
De galho em galho voando,
Ao mesmo tempo cantando
Melodias agradaveis.
Uma lagarta, vejamos
Que a pouco foi borboleta,
Obra pequena e perfeita
Que muito a admiramos.
Só na natureza achamos
Tanto esmero e perfeição.
Prende a mais sabia attenção
A sua delicadeza.
Sem ter pezo nem grandeza
Nos causa admiração.
0 kagado tem sobre as costas
Linhas de geometria,
E curvas em symetria
Que applicam em certas mostras,
Paralellas e oppostas
Faz um quadro debuxado.
Portanto, está demonstrado
Ser artista a natureza,
Pois seus feitos de grandeza
Ninguém os tem igualado.
Minha alma fica abysmada
Sob o solo contemplando
Em ver os mattos furando
A terra tão apertada !
A planta mais delicada
Tem força para a romper !
E a terra obedecer
A tão pequena senhora,
Que offerta sem mais demora
Glorias ao Autor do ser!…
Das nuvens com suas cores,
Variadas pelo sol,
Da neve no seu lençol
Se conhece os primores,
Com que Deus com seus lavores
Quiz dotar a natureza,
Para a encher de belleza
E o dia vivificar.
Mais o homem por pecar
Perde da alma a nobreza.
Que quadro encantador
Vemos ao romper da aurora
Desde o irracional á flora
Tudo louva ao Creador,
Ao primeiro resplendor
Do dia vivificante!…
Para fazer mais galante
O Deus que tudo creou.
Sobre a relva espalhou
Do orvalho a gotta brilhante.
Pulam aves de alegria
De galho em galho voando.
Ao mesmo tempo cantando
Ao clarão da luz do dia…
Da noite a percondia
O seu denso e negro manto,
Parece que com espanto,
Vendo o sol põe-se em fugida
Deixando as portas da vida
Abertas com todo encanto.
Quanto goso e alegria
A luz do sol traz á terra.
Ha luz da mais alta serra
A’ densa matta sombria;
Nas horas, que tem o dia.
Observa-se a belleza,
Da artista natureza,
Inexgotavel portento,
Que até no macio vento
Nos mostra sua grandeza.
Vejamos os animaes,
Que bello quadro offerecem,
Como que a Deus conhecem
Sendo irracionaes;
Criam seus filhos iguaes
Como a mãe que raciocina !
Acho ser ainda mais fina
A sua delicadeza.
Só por ter a natureza
Que activamente os ensina.
Sopra o vento tremulando
Do bosque as arvores frondosas,
E as aguas ruidosas
Entre as penhas murmurando…
A nuvem se desmanchando,
Jorra agua cristallina
Que rega valle e campina,
Nos dando real certeza
De crermos que a natureza
E’ mais que artista é divina !
Tenho um pouco fallado;
Em alguma maravilha
E não fallei na que mais brilha
Nas ondas do mar salgado,
Naquelle espelho azulado
Que ve-se ao clarão do sol;
Da neve o branco lençol
Torna-se alli tão galante
Que as vezes é semelhante
A’s nuvens no arrebol.
Vive sempre enfurecida
Essa obra da natureza.
Lutando com a fortaleza…
Da terra bem defendida
Alli a onda atrevida
Perde todo seu furor;
Do encapellado rigor
Perde toda gravidade
Obedecendo à vontade
Daquelle immenso Senhor.
Variam de instante a instante
As obras da natureza,
Com toda esta presteza
Que me faz tão delirante;
Mas, ella sempre constante
Sempre sem mostrar enfado
Desde que o mundo é criado
Até a hora presente
Sempre mostra differente
Os dias que tem ornado.
Provoco a ser contestado
Sem ter medo de censura
Qual o feito da natura
Que não seja admirado
0 que o homem tem fabricado
Merece ser applaudido
Porem estou convencido
Que por seu pouco saber,
De Deus pode o homem ser
Filho e discipulo querido.