Chuva da tarde caindo na casa da Vovó
Para quem nasceu e cresceu na roça, esquecer aqueles dias difíceis, não é coisa tão fácil. A infância, quase que por inteiro, e boa parte da adolescência num ambiente que marca forte a vida de muitos. E, como quase tudo foi tão bom, tão edificante, tão valorizado, porque influiu diretamente na formação do homem, é como massagear o ego, falar sempre. Reviver o bom.
E por que não falar da minha infância?
A madorna vespertina só era atrapalhada e interrompida quando, repentinamente, começava a chover. Às vezes, dizíamos até que, “chuva com sol, era casamento de raposa.”
A rotina diária era interrompida. A gente corria para tentar “aparar a água da chuva” que serviria para alguma coisa. Para lavar roupas, panelas e pratos e para molhar o canteiro cultivado com cheiro-verde, tomate e pimenta malagueta.
– Fii, essa água num seuve prumode beber. Num apare não!
Meu Avô João Buretama usava uma machadinha e ele próprio fazia as calhas colocadas ao redor da casa. Usava paus de sabiá, uma madeira que, estranhamente, tinha o “miolo” escuro, aparentemente apodrecido, mas era tão duro quanto ferro. Era ele que fazia essas calhas, e, às vezes, fazia até algumas sob encomenda.
Na ausência das chuvas, principalmente nas calhas que ficavam à sombra do sol do meio dia e nas primeiras horas da tarde, os dois gatos da casa dormiam ali, e, às vezes, aproveitavam também para fazer suas necessidades. Outros quase que hospedeiros, eram as “taruíras” (também chamadas de “troíras” ou “osga”), cuja urina se tinha como venenosa.
Gato saboreando a sombra para uma soneca
Era por essas impurezas contidas nas calhas, que a “sábia” Avó nos orientava para não aparar as primeiras águas das chuvas para beber. Urina de gato, fezes e urina de ratos, e até a urina das osgas poderiam prejudicar a saúde de alguém, num lugar onde só se conhecia a medicina dos chás e ervas.
– Mais tarde meu fii apara para encher os potes e as cabaças, viu!
E lá estavam, ao final da boa chuva, os mosquitos voando e sendo comidos pelos pássaros, principalmente as andorinhas e os bem-te-vis em mergulhos e piruetas que mais pareciam aqueles aviões “caças” nas guerras.
Três potes grandes, com panos amarrados nas bocas para coar a água (seria por isso, a justificativa do termo secular de “água potável”?) e algumas quartinhas que eram postas no parapeito das janelas para “gelar”. O pote da casa ficava sob vigilância do sapo “Merquíades”, num dos cantos da sala da casa, para evitar que osgas, baratas e moscas sujassem a água.