CAIR DAS FOLHAS
Vicente de Carvalho
“Deixa-me, fonte”! Dizia
A flôr, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria,
Cantava, levando a flor.
“Deixa-me, deixa-me, fonte!””
Dizia a flor a chorar:
“Eu fui nascida no monte...
“Não me leves para o mar”.
E a fonte, rapida e fria,
Com um sussurro zombador,
Por sobre a areia corria,
Corria levando a flôr.
“Ai, balanços do meu galho,
“Balanços do berço meu;
“Ai, claras gotas de orvalho
“Caídas do azul do céu!...”
Chorava a flor, e gemia,
Branca, branca de terror,
E a fonte sonora e fria,
Rolava, levando a flor.
“Adeus, sombra das ramadas,
“Cantigas do rouxinol;
“Ai, festa das madrugadas,
“Doçuras do pôr do sol;
“Caricia das brizas leves
“Que abrem rasgões de luar...
“Fonte, fonte, não me leves,
“Não me leves para o mar!...”
*
As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor...