Enquanto a MPB inteira se rendia às lives desde o começo da quarentena, Caetano Veloso não se mostrava nem um pouco interessado em fazer uma. Daí que uma das grandes diversões dos últimos tempos passou a ser acompanhar os insistentes vídeos de Paula Lavigne, nas redes sociais dela e dele, enquadrando o cantor — às vezes de pijama, às vezes comendo paçoca... — , perguntando quando aconteceria sua live. Ele desconversava, com bom humor. Os fãs reforçaram o apelo, enviando pedidos de músicas e até paródias (como a do humorista Marcelo Adnet, que viralizou). Finalmente, há uma semana veio a notícia de que Caetano tinha cedido: a apresentação, apelidada de Live, a Lenda, acontece hoje (dia do seu aniversário de 78 anos), às 21h30, exclusivamente no Globoplay (não é necessário ser assinante para assistir).
— No começo, eu nem via possibilidade de fazer live. Não achava que o que me era proposto fosse do meu feitio. Mas eu queria fazer. Acho graça de o assunto ter ficado tão falado. O fundamental, que é cantar, estar na companhia dos meus filhos e escolher canções, me dá prazer — disse o cantor, em entrevista distribuída à imprensa. — Falei logo com eles que queria que eles participassem. Não tem quase nada do “Ofertório”. Eles vão tocar comigo muitas das músicas escolhidas para a live e eu vou cantar ao menos uma com cada um deles.
Caetano toca violão de pijama, em casa Foto: Reprodução
Misto de todas as coisas
O repertório de Live, a Lenda, é claro, foi objeto de especulações nas redes sociais ao longo da semana, com os fãs ansiosos para saber se seus pedidos emplacaram. Nesta semana, Paula ironizou a própria obsessão com a live, transformando a espontaneidade numa bela estratégia de marketing (é “aquele assunto que eu evito”, brincou ela num dos vídeos). Depois, publicou no Instagram um spoiler do quarteto ensaiando “Cajuína”. Dias antes, Caetano disse que não iria deixar “Tigresa” de fora. E foi anunciado que duas músicas novas farão parte da apresentação: “Talvez” (composição de Tom Veloso com Cezar Mendes, que foi gravada por Caetano e o filho e lançada hoje nas plataformas de streaming, como single) e “Pardo”, canção de Caetano registrada pela cantora Céu em seu último álbum, “APKÁ!” (2019), que enfim ganhará interpretação do autor.
— Recebo muitos recados e e-mails pedindo canções e até orientando se vou para o lado do material ultraconhecido ou se canto coisas que quase nunca cantei. Meu critério deveria ser exclusivamente este: o que eu posso fazer melhor? — explicou Caetano. — Mas tanto os sucessos consagrados quanto as coisas que tratam de temas mais adequados à situação de quarentena abalam esse critério. Assim, o público pode esperar um misto dessas coisas todas.
O que havia de cômico (intencionalmente ou não) nos vídeos de Paula Lavigne puxando assunto sobre a live com Caetano foi amplificado por Marcelo Adnet em suas paródias, exibidas no seu programa no Globoplay, “Sinta-se em casa”, gravado durante a quarentena. Apreciadores das imitações, Caetano e Paula acabaram dando a Adnet a primazia de anunciar que Live, a Lenda, aconteceria no aniversário de 78 anos do cantor. Anúncio feito cabalisticamente, aliás, na edição de número 78 do programa, com direito a uma música composta pelo humorista e interpretada por ele como se fosse Caetano.
Paródia carinhosa
No fim das contas, o número musical de Adnet viralizou e acabou se tornando a grande peça de divulgação da live.
— Isso foi algo que começou totalmente despretensioso — revelou Marcelo Adnet, semana passada, ao GLOBO. — Garimpo notícias de política entre as mídias tradicionais e fatos sobre comportamento em redes sociais. Foi quando atentei para essa resistência do Caetano com as lives, e a Paula super querendo a live... Esses vídeos começaram a bombar dentro de uma bolha ou de um nicho, e aí eu decidi fazer paródias da Paula e do Caetano em casa. Foi algo que nasceu através de um carinho recíproco entre mim e os dois.
Caetano disse ter se divertido com o aspecto de comédia que a live adquiriu:
— Sempre adorei o que me faz rir. Entre os meus filmes favoritos de todos os tempos estão comédias de Billy Wilder. Quando menino, amava o “Balança mas não cai” da Rádio Nacional e os programas divinos da Mayrink Veiga (alguns escritos por Chico Anysio). Gosto do filósofo que põe a comédia acima da tragédia. Os tempos que vivemos não seriam apenas menos suportáveis sem Marcelo Adnet ou Gregorio Duvivier: sem pessoas como eles, seriam obscuros, ininteligíveis, sem luz.
Em tempos de perdas para a cultura brasileira (de Moraes Moreira e Aldir Blanc a Rubem Fonseca e Sérgio Ricardo), quando tem acompanhado o noticiário com afinco, Caetano projeta uma esperança.
— Que (as pessoas) saibam se definir internamente em meio à batalha entre a maluquice das teorias conspiratórias e a natural confusão da ciência. Ter clareza quanto a um mínimo de decisões é necessário em momentos de emergência.