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Segundo estudo do IBGE, em 2060, o DF terá a menor taxa de fecundidade do país, e a proporção de idosos para jovens será a segunda maior entre as 27 unidades da Federação
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» MARIANA MACHADO
» JÉSSICA EUFRÁSIO
Prolongar a vida foi um dos grandes feitos do ser humano no século 20. Se, antes, a longevidade era privilégio de poucos, agora, ela começa a ser regra e, ao mesmo tempo, um dos maiores desafios dos tempos modernos. A sociedade precisa aprender a viver mais e melhor. Não somente quem passou dos 60, como também os netos e os filhos de quem está na terceira idade.
De 2012 a 2017, o número de pessoas com mais de 60 anos no país subiu 18%, alcançando 30,2 milhões, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A previsão é de que, em 2060, um quarto dos brasileiros tenha mais de 65 anos. No mesmo ano, o Distrito Federal terá a menor taxa de fecundidade do país, e a proporção de idosos para jovens será a segunda maior entre as 27 unidades da Federação, com cerca de dois para um.
Os desafios de uma nação com pirâmide etária em transformação acelerada, como é o caso do Brasil, incluem definir políticas voltadas para as necessidades dos idosos: de mobilidade urbana a lazer, passando pelos cuidados com a saúde e pela prevenção de doenças, além da definição de múltiplas formas de inclusão. Apesar disso, o país engatinha nesses quesitos. Para o médico Renato Veras, doutor em epidemiologia do envelhecimento pela Universidade de Londres, transformações são necessárias. Ele alerta que o país tem perdido a chance de promover mudanças nessa perspectiva. “A questão do envelhecimento nunca se encaixou muito bem na sociedade brasileira”, diz. (leia Três perguntas para).
A expectativa de vida do brasileiro, em 2019, é de 76 anos; no DF, um pouco maior: de 78 anos (leia A velhice em números). Diante do novo perfil populacional, o Brasil deve pensar em quem não tem mais a mesma vitalidade de outrora. A Organização Panamericana de Saúde (Opas) define como “cidade amiga do idoso” a que adapta estruturas e serviços para que sejam acessíveis e promovam a inclusão para pessoas com diferentes necessidades e capacidade.
Mais de 600 cidades e comunidades em 37 países fazem parte da rede da Organização Mundial de Saúde (OMS), pensando em iniciativas que permitam o envelhecimento saudável. No Brasil, quatro receberam o certificado internacional de Cidade e Comunidades Amigáveis à Pessoa Idosa: os municípios gaúchos de Esteio, Porto Alegre e Veranópolis, além de Pato Branco (PR).
Mobilidade
Na capital federal, muito precisa ser feito. O aposentado Eloy Barbosa, 73 anos, é categórico: “Brasília não tem acessibilidade. Isso vale para Plano Piloto, Samambaia, onde for. As escadas rolantes não funcionam, não tem calçada na maioria dos lugares e, quando tem, as pessoas param os carros em cima”. Mesmo assim, ele encara a velhice com “animo. Todos os dias, o morador da QNA 5 de Taguatinga Norte caminha até a parada de ônibus mais próxima.
O transporte público faz parte da rotina do senhor de cabelos brancos. Com agenda lotada, ele reveza os dias entre aulas de teatro, filosofia, canto coral, dança e o que mais aparecer. Para se locomover, vale ônibus, metrô, ou dirigir o próprio carro. “Prefiro o transporte público, porque não vou sozinho. Converso e conheço as pessoas. Quando está cheio, tem gente que finge não me ver, mas sempre tem uma alma boa para me ceder o lugar. Devem ser os meus cabelos brancos”, brinca Eloy. Para ele, ser idoso é um privilégio. “Significa que estou vivendo mais. As rugas são o nosso diploma, e eu tenho doutorado. Procuro ser dono da minha vida. Em Brasília, só fica em casa quem quer”, afirma.
Menos otimista, a mulher dele, Marieta Oliveira, 74, se lembra de situações de discriminação. “Tem muita gente educada, mas ouvi uns reclamando que velho não paga passagem. No transporte, nem todo motorista é educado e, nas ruas, as calçadas são ruins, você tropeça se não estiver atento”, reclama (leia Personagens da notícia).
Personagens da notícia
O passado com carinho
Quem vê os olhares cúmplices e os sorrisos abertos de Eloy e Marieta não imagina a força da dupla. Há 43 anos, eles se casaram e foram morar em Taguatinga, na mesma casa até hoje. Ao longo de quatro décadas juntos, tiveram três filhos, mas, diferentemente do que se espera, os dois rapazes e a moça se foram antes dos pais. De olhos marejados, eles evitam falar das perdas que os fizeram viver sozinhos. “A nossa força vem da união e de entendermos a vida”, afirma Eloy.
Marieta conta que, todos os dias, se lembra dos filhos assim que acorda. “Guardo o passado com carinho, tento focar apenas as coisas boas, mas há dias em que as partes mais difíceis ficam na cabeça. Quando isso acontece, preciso sair de casa”, relata. Conversar com os vizinhos, fazer atividades físicas e passear ajudam-na a colocar leveza no pensamento. “Não é que eu seja forte demais, mas procuro dar um jeito”, avalia.
Memória
Maus-tratos e abandono
Agosto
» Um homem de 38 anos diagnosticado com esquizofrenia e transtornos de ansiedade desde a adolescência matou a mãe, de 68 anos. O caso aconteceu em Taguatinga Norte. Segundo a polícia, o filho havia sido internado e fugido diversas vezes do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), unidade psiquiátrica do DF. Após uma das fugas, ele voltou a morar com a mãe. No entanto, teve um surto e agrediu a idosa até a morte dentro de casa. O caso é investigado pela 12ª Delegacia de Polícia (Taguatinga Centro).
Junho
» Em 9 de junho, uma mulher de 79 anos e o marido dela, de 87, foram encontrados com sinais de abandono, em um apartamento no Cruzeiro Novo. Eles foram levados ao Hospital Regional da Asa Norte (Hran), onde ficaram internados na Ala Vermelha, com sintomas de desidratação. Encaminhada à 5ª Delegacia de Polícia (Área Central), a filha do casal foi autuada por deixar de prestar assistência aos pais, assinou um termo circunstanciado e foi liberada.
Janeiro
» A dona de casa Diva Maria Maia da Silva, 69, foi assassinada a tiros pelo companheiro, Ranulfo do Carmo Filho, 72. O autor do crime ainda disparou contra um dos filhos do casal, Régis do Carmo Corrêa Maia, 46. Diva Maria e Ranulfo estavam juntos havia 50 anos e moravam na 316 Norte. Antes do crime, pai e filho discutiram, Ranulfo foi ao quarto e voltou com um revólver. Ele fugiu depois de atirar contra Diva e Régis. Policiais prenderam o assassino, que confessou o crime.
Três perguntas para
Renato Veras, médico, doutor em epidemiologia do envelhecimento, professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e editor da Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia
O Brasil está preparado para envelhecer?
O país perdeu muito tempo nesse processo de envelhecimento, que estava sendo projetado por demógrafos. A gente não conseguiu encarar. A população brasileira, em geral, sempre acreditou que era um país da garotada, do futuro. A questão do envelhecimento nunca se encaixou muito bem na sociedade brasileira. Ela não se organizou em todos os aspectos: saúde, urbanismo, organização das cidades para ter mais idosos, na questão de políticas sociais de amparo aos idosos. Agora, estamos em uma certa crise. Sabemos que, na população envelhecida, há mais doenças crônicas, uso de hospitais, tempo de permanência em serviços de saúde, mais custos.
Como lidar com o envelhecimento próprio e dos demais?
Antes, as famílias eram grandes — com seis, sete filhos —, não moravam em grandes centros, mas em cidades rurais. Era mais fácil fazer um arranjo de apoio social. Hoje, você não tem mais a parcela da população que cuida dos filhos e dos avós. Os idosos estão cada vez mais sós. E eles começam a ter dificuldades com o passar dos anos, começam a se sentir mais frágeis, têm medo de cair, começam a ficar mais em casa, mais isolados, surge a depressão, a família mora longe… Você acaba construindo uma sociedade em que o idoso é totalmente excluído. Há, ainda, um pensamento comum de que, a partir de determinado momento, você não precisará de apoio médico. O Brasil, como alguns outros países que cresceram de forma rápida, não ficou rico o suficiente para amparar seus idosos. É uma situação muito grave. Ter um modelo como o inglês, com um médico clínico que avalia e direciona para especialistas apenas quando necessário e promove cuidados diuturnos com pessoa, é a melhor forma, além da mais adequada, o que a torna mais barata.
Quais são os principais desafios para uma nação que fica mais velha?
Precisamos ter políticas de amparo a essa população. Na questão da previdência (social), é preciso repensar como deixaremos uma massa muito importante de idosos sem proteção. Isso é coisa para os políticos pensarem. Como cuidar de parentes queridos que viverão mais 10 ou 15 anos sem apoio do Estado? O nosso modelo assistencial é ineficiente e muito caro. O privado é assim. E esse modelo hospitalocêntrico gera insatisfação da sociedade por ter um preço muito alto. O privado precisa mudar isso. O público é subfinanciado e não tem dinheiro para abarcar a população idosa. Essas lógicas têm de ser diferentes. Minha proposta é de atuar precocemente. Fora isso, as cidades precisam de espaços harmônicos, os quais idosos possam frequentar.