Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

DIB terça, 25 de outubro de 2016

BRASÍLIA

BRASÍLIA

A. C. DIB

 

                        Vias largas, desertas, a perder de vista. Prédios uniformes, simétricos, alinhados. Monumentos grandiosos, brancos, futuristas; figuras sem rosto, sem expressão, frias. Palácios monumentais, leves, belos, singelos, parecendo flutuar no espaço, ornados, todos eles, com os característicos arcos, maravilha proporcionada pela geometria. A beleza da linha reta, simples, delicada, despida de rebuscamentos, como parede caiada. Antítese do rococó.

 

                        Terrenos baldios, vastos, livres de habitações e pessoas, tomados pelo mais puro e selvagem Cerrado. Amplos tapetes verdes, mar sólido de gramíneas, apresentando, aqui e ali, espatódeas, sibipirunas, mongubas, flamboyants, barrigudas, paineiras, copaíbas, paus-ferro e ipês (estes roxos, brancos, róseos e amarelos).

 

                        Calçadas de concreto, algumas placas íntegras, outras trincadas, ladeadas de frondosas alamedas de árvores. Pouco trânsito de veículos, pouquíssimo trânsito de pessoas. Paisagem evocando antigos filmes de ficção científica, que tratavam de cidades desertas frente à extinção da raça humana, com seus edifícios e templos de arquitetura futurística, tomados de ventos e pássaros, com a hera – atrevida ‒ a escalar as paredes.

 

                        Terra vermelha, seca, infértil, ácida, poeirenta, fazendo surgir, aqui e ali, lá e cá, o popular lacerdinha, pequeno e simpático redemoinho que, facilmente, surgia a brincar, rodopiando e assoviando e, facilmente, morria, consumindo-se, apagando-se. Bando de pombos a ciscar pelo chão, tal qual galinha caipira, e, no topo das árvores, o piar deselegante dos amarronzados pardais. Setor de casinhas geminadas, coladas umas às outras, modestas, devassadas, despidas de muros e cercas; marcadas pelo cobogó. Bairro nobre, pontilhado por nobres mansões, banhadas pelas águas do plácido e azul Lago Paranoá. A alternância de verões de chuvas intensas e contínuas, aguaceiros sem fim, seguidos, tempos depois, da estiagem fria dos invernais meses de junho e julho.

 

                        No céu, o mais lindo pôr do sol, tingindo o horizonte de intenso vermelhão, rubor mesclado de tons amarelados e alaranjados, caliente e envolvente, autêntico Manabu Mabe. Disse, uma vez, um dos muitos desafetos de Brasília: “Um céu em busca de uma cidade”. E, a cercar-nos, o agreste Cerrado, de aspecto áspero e seco, com suas árvores baixas e enegrecidas, de casca grossa e folhas largas e espessas, avermelhadas pela densa poeira. Cupins a lembrar castelos liliputianos; casas de João-de-Barro no galho das árvores; no solo capim de pendões altos, pontilhados por sempre-vivas e dentes-de-leão. Pés de pequi, araticuns, bacuparis e lobeiras. Carrapichos. Matas ciliares, mais fechadas que o esparso cerrado, com árvores mais altas e mais frondosas, beirando córregos de águas cristalinas, correndo por entre cascalhos e leitos de argila, com lambaris escuros, deslizando à flor d’água.

 

                        A Brasília de minha infância guarda sérias diferenças da atual. Não tínhamos, então, superpopulação, engarrafamento, congestionamento, poluição, sequestros-relâmpagos, politicagem e politicalha.

 

                        Época da inocência, tempo da despreocupada simplicidade. Não dispúnhamos da fartura que hoje nos envolve, mas éramos mais felizes em nossa frugal escassez. Como não convivíamos com tanta tecnologia, tanto luxo, sofisticação e abundância, exigíamos menos, esperávamos menos, desejávamos menos. Sofríamos de menos dramas de consciência, menos problemas psicológicos, menos estresse e fobias. Morríamos menos de câncer e do coração. Não enfrentávamos AIDS. Igrejas eram igrejas, não máquinas de caça-níquel, empresas movidas a cupidez, regidas por políticos milionários e vivaldinos. Não havia tanta competição.

 

                        Brasília! Mui amada Brasília!

 

                        Amiga do peito, confidente, solidária, companheira! Mãe amantíssima e generosa! Irmã mais velha e experiente, a liderar-me e a vigiar-me! Mulher leal, dedicada e dadivosa! Amante curvilínea, linda, jovem, fogosa.

 

                        Estou em Brasília como Brasília está em mim. Brasília forjou-me. Sou o que sou – seja lá o que for! – pela força e pela ação de Brasília à minha volta, sobre mim, dentro de mim. Sou o que sou pela influência de Brasília, seja para o bem, seja para o mal.

 

                        Com suas rasgadas veredas, amplas, rigorosamente planas, a perder de vista, tendo por cobertura um céu límpido, de um azul penetrante e inebriante, com seus horizontes descortinados, vastos, largos, ilimitados, limpos, Brasília remetia-nos à ideia do absoluto, do inatingível, do estupendo, colossal, majestoso, do etéreo. Traduzia a pequenez do indivíduo, frágil, raquítico, passageiro, leve, diante do sublime; frente ao poder supremo. Era o paquiderme, em seu passo firme, a encarar, com altivez, enfado e despreocupação, a modesta formiguinha, transitando nervosa em uma de suas unhas. Brasília remetia-nos à ideia de Deus.

 

                        Melancólica desolação contrastando com sensação de liberdade. A liberdade do vento veloz, a percorrer o vazio, fazendo tremular a bandeira; balançando as longas madeixas de farta cabeleira. A liberdade do orgulhoso leão, trilhando, a passos largos, os prados da Savana Africana. A liberdade de poder mirar o horizonte, e não encontrar obstáculos, e visualizar o futuro.

 

                        Disseram-me que dei os meus primeiros passos nas areias da Praia de Copacabana. Curiosamente, tenho ainda – um ano de idade, vejam só! – lembranças desse período. Vagas memórias ‒ é bem verdade ‒, flashes fugazes, envoltos em névoa, desfocados, sem nitidez. Lembro-me de meu pai dar um nó nas duas pontas de minha camisa ‒ vestida desabotoada ‒, na altura do umbigo, depois de fazer o mesmo com a dele, para que ela não encostasse no calção de banho molhado. Depois, então, nos sentamos, calmamente, em um dos banquinhos do calçadão, para ver as cariocas desfilarem.

 

                        Acredito que tomávamos sorvete ‒ meu pai lambendo sua casquinha e me ajudando com a minha.

 

                        Tenho um sonho recorrente. Sonho, com reiterada frequência, que me encontro no ponto extremo de uma das Asas do Plano Piloto de Brasília. Às minhas costas, os últimos prédios da última Quadra da Asa, e, à minha frente, o vasto horizonte, livre de edificações, milimetricamente plano, fugindo do alcance da vista. Estou no limite, na fronteira da Asa ‒ seja Sul ou Norte ‒, marco do ponto em que termina Brasília e começa o descampado, restando, apenas, adiante o imensurável gramado, com suas árvores jovens de tronco fino. Sinto, então, um grande conforto em meu coração. Sinto o chão aos meus pés, o sangue a fluir em minhas veias, palpitando de emoção. Idêntica sensação que sentia ao passear pela Praça dos Três Poderes, coração pulsante do Brasil.

 

                        Gostava de visitá-la, acompanhado de alguma namorada, nas noites limpas de lua cheia. Sentia a magia e a mística daquele lugar, excitante, penetrando-me por todos os poros. Seu piso de paralelepípedos formando desenhos em preto e branco, seus banquinhos e monumentos, sua importância e majestade.

 

                        Neste meu repetido sonho, sinto algo que não consigo expressar. Acordo, sempre, emocionado, feliz, realizado.

 

                        Sinto Brasília!

 N. E. Antônio Carlos Dib de Sousa e Silva, ou, simplesmente, A. C. Dib, é meu parente muito próximo. Se fosse nos tempos de antigamente, de Dom João Charuto, me chamaria de tio, pois é filho de um meu primo legitimo, e neto do Tio Fruto, irmão de meu pai. Nascido em Brasília, nos tempos pioneiros, seus genitores, ele, Procurador da Justiça, e ela, Servidora Federal, criaram-no em ambiente dominado pelo estudo e pelo amor à Literatura. Bacharelado em Ciências Jurídicas, com especialização em Direito Público e Ciência Política, é Advogado Militante e Procurador Legislativo da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Publicou os livros O Sistema Parlamentarista de Governo e Frutuoso & O Velho Monge de Barbas Brancas, já estando no prelo os originais de seu próximo rebento literário, Receitas da Vovó Salima, com preciosidades das cozinhas árabe e goiana. Este Almanaque só tem muito a ganhar com a riqueza de seus textos, a partir de hoje, quando assume o posto de um de seus colunistas.

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terça, 25 de outubro de 2016 as 18:12:50

Antônio Carlos Dib
disse:

Querido Floriano, emocionaram-me suas palavras elogiosas. Não sou delas merecedor. Conte, desde já, com minha modestíssima colaboração. Está maravilhoso o Almanaque, interessantíssimo e muito bem estruturado. Um forte abraço.


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