Fora das quatro linhas, será o primeiro embate após os clubes de Minas e do Rio se consolidarem como SAF (Sociedade Anônima do Futebol). O Cruzeiro ratificou o processo em dezembro de 2021, quando foi comprado pelo ex-jogador Ronaldo Fenômeno em uma negociação de R$ 400 milhões pelos próximos cinco anos com aquisição de 90% das ações. Já o processo do Vasco foi mais recente, com a finalização da venda de 70% por R$ 700 milhões no começo deste mês de setembro.
“Estou no clube desde o início de 2021 e pude perceber essa transformação. Com certeza todos os aspectos relacionados à gestão foram aperfeiçoados, como pessoas, processos e infraestrutura. Alguns frutos de tais mudanças já estão sendo colhidos dentro de campo, mas acredito que o maior benefício virá a longo prazo, com a consolidação de uma gestão profissional e responsável”, analisou Rômulo, lateral-direito do Cruzeiro e que atuou por dez temporadas no futebol italiano.
No Vasco, pelo acordo firmado, a 777 Partners vai investir R$ 510 milhões até o fim de 2023. Os R$ 70 milhões restantes foram abatidos do empréstimo-ponte concedido em março. O CEO da SAF do Vasco, Luiz Mello, entende que o novo momento do clube carioca requer paciência, mas que a médio e longo prazo deve mudar o patamar dentro e fora de campo.
“Entendo que se trata de um círculo virtuoso. É um dinheiro que entra inicialmente para que algumas das dívidas sejam quitadas, e ao mesmo tempo dê fôlego para que a gente consiga aumentar as receitas e, consequentemente, investir na parte técnica do elenco. Isso te leva a melhor performance em campo, que automaticamente atrai mais torcedores para os estádios, e assim consegue novas parcerias e patrocinadores. Vai agilizar todo o processo de uma maneira um pouco mais rápida”, explica Mello.
O ex-atacante e hoje empresário Ronaldo, responsável pela compra do Cruzeiro, também fez questão de elogiar o processo de transição do Vasco para SAF. Ele estará no Mineirão para acompanhar o jogo que pode garantir o clube mineiro na primeira divisão em 2023 depois de três temporadas na Série B.
“Parabéns ao Vasco que aderiu a esse movimento. É um sinal de esperança ao torcedor. Vai ter investimento e promessa de gestão profissional e eficiente. Os torcedores devem estar muito contentes. Não vamos entrar nos detalhes, cada clube negocia como lhe interessa e convém. Cada clube tem a sua dívida, cada clube tem as suas perspectivas. Então, gestão eficiente e profissional e investimento é a notícia mais importante aí”, afirmou o Fenômeno, em seu canal na Twitch.
Sobre o modelo de negócios das agremiações, Juliana Biolchi, mestre em direito e especializada em revitalização de empresas, negociações complexas e recuperação extrajudicial e judicial, afirma que em comum os dois times constituíram suas respectivas SAFs. “Porém, a renegociação das dívidas tomou caminhos diferentes: enquanto o Cruzeiro optou pela recuperação judicial, o Vasco manteve-se no RCE, o que atende à complexidade e à gravidade do endividamento de cada um”, aponta. RCE significa Regime de Centralização de Execuções. Trata-se de um instrumento da justiça do trabalho que organiza o pagamento de credores sem que haja riscos de penhoras e bloqueio de bens e valores.
Para o especialista em marketing esportivo Renê Salviano, CEO da Heatmap, empresa que conecta marcas e agências publicitárias com grandes eventos e instituições do mundo esportivo, a mudança estrutural que vem acontecendo no Cruzeiro era necessária há muitos anos.
“O clube está num patamar de consolidação de uma nova gestão, ainda em processo de aprendizado de algo novo no Brasil, que é a SAF, mas que sabe onde pode chegar. Por meio da Heatmap, temos realizado algumas parcerias comerciais, como a ida da GIROAgro como nova patrocinadora e outras ações em várias frentes, e é possível perceber esse profissionalismo nas conversas que temos com o clube. Não importa se é S/A, associação ou SAF, existe gestão no sentido simples da palavra. Com essa volta para a Série A, não tenho dúvida de que o ano de 2023 tende a ser muito mais promissor, dentro e fora das quatro linhas. Nada é fácil, acredito que com muito trabalho vão conseguir a retomada do protagonismo nacional”, analisa o executivo, que já foi diretor de marketing e comercial do Cruzeiro.
Confiante nos próximos passos, mas sempre com pés no chão, Luiz Mello corrobora com a análise acima e afirma que a SAF pode trazer ares de profissionalismo às agremiações. “Permite que se mude o foco político para o de governança. Vai aplicar conceitos em cima de estratégias claras, destravando alguns processos e facilitando para que possamos acessar o mercado com profissionais de diferentes áreas, especialmente em projetos que envolvam a parte financeira e de infraestrutura. O Vasco tem um enorme potencial para que isso aconteça”, diz.