Talvez não devesse mais ser motivo de espanto, mas é impossível evitar a sensação quando o Flamengo fornece provas tão consistentes de que é administrado de maneira aleatória, fortuita. O clube que fatura R$ 1 bilhão por ano, que é parte importante da vida de dezenas de milhões de pessoas, demonstra semana após semana que toma decisões cruciais — como escolher quem comanda o time de futebol — com base em tentativa e erro.
O roteiro das últimas horas de Paulo Sousa como funcionário do clube foi chocante até para os padrões exóticos do futebol brasileiro.
Após a derrota por 1 a 0 para o Bragantino na quarta-feira, Paulo Sousa acordou demitido pela imprensa, que obviamente não inventou nada, e sim publicou qual era a intenção de quem manda no clube. No início da tarde, Dorival Júnior aceitou a proposta do Flamengo e interrompeu por decisão própria um trabalho no Ceará que durou 73 dias e 18 jogos — a categoria sempre colabora decisivamente para esse estado de coisas, mas esta é outra discussão.
O pensamento mágico de reviver 2019 levou a direção do Flamengo a assinar com Paulo Sousa um contrato de dois anos. Não há trabalho em curso na elite do futebol brasileiro que seja tão longevo — Maurício Barbieri está há 21 meses no Red Bull Bragantino, num contexto sem par no Brasil, e Abel Ferreira só dura 19 meses no Palmeiras porque ganhou duas vezes a Copa Libertadores. Mais importante do que isso: ninguém aguentou tanto tempo assim no Flamengo neste século, o que inclui todos os profissionais contratados por esta gestão.
O Flamengo elevou a outro patamar uma prática do futebol brasileiro: dar ao técnico a chave do departamento de futebol, um salário alto, um contrato longo, o poder de indicar reforços, dispensar jogadores e trabalhar apenas com sua própria comissão técnica. Ao mesmo tempo, faz dele a peça mais descartável, a primeira ser trocada em caso de turbulência, a um custo invariavelmente alto. O erro na origem cobra seu preço depois na forma de uma multa rescisória milionária a quem está indo embora e na urgência de contratar um sucessor no improviso, no desespero.
A troca de Paulo Sousa por Dorival Júnior pode perfeitamente resultar em troféus no fim do ano, afinal a equação é composta por um bom profissional, um elenco qualificado e uma torcida capaz de carregar times nas costas. Mas, ainda que dê certo, também será um pouco fruto do acaso. Tal qual 2019, aliás.