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O cortejo com o corpo da bombeira Marizelli (no detalhe) passou pela Avenida Samdu Norte, que precisou ser parcialmente interditada até o Cemitério de Taguatinga
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“Está com duas semanas que ela falou comigo assim: ‘Esse serviço meu é muito bom, mas muito perigoso. Se acontecer alguma coisa comigo, o que a senhora faz?’” O relato é de Conceição Aparecida Dias, mãe da bombeira Marizelli Armelinda Dias, 31 anos, morta em acidente, no domingo, enquanto combatia um incêndio florestal. “Falei: ‘Faço como estamos fazendo. Vou cuidar dos seus filhos. Vou fazer o que faço. Fazer o quê? A vida continua.’ Não vou cair, não. Por causa de Deus e dos meus netos. Eles precisam de mim”, disse, ontem, enquanto velava a filha.
Para a mãe, mesmo em tão pouco tempo de vida, Marizelli conseguiu alcançar tudo o que almejava. “Dentro de sete anos, ela realizou todo o percurso (que queria): casou, teve filhos, estudou, se formou (como bombeira), tornou-se servidora pública. Realizou todos os sonhos. É como se tivesse vivido 100 anos. Ela dizia que, aqui na Terra, temos de trabalhar, não podemos perder tempo”, relatou Conceição Aparecida.
A banda do Corpo de Bombeiros rompeu o silêncio no velório de Marizelli, que ocorreu no 2º Grupamento de Bombeiro Militar, em Taguatinga Norte. Centenas de pessoas se reuniram para acompanhar a cerimônia de despedida. O corpo de Marizelli chegou em um veículo do Samu. Colegas de serviço carregaram o caixão e passaram por um corredor formado por militares até alcançar o pátio onde a família aguardava. Nesse momento, poucos conseguiram conter as lágrimas.
Apaixonada por música, a bombeira queria entrar para a banda da corporação. Grande parte do velório foi conduzida pelo tenente-coronel Fernando Rebouças, também capelão católico. “Ela fez o voto de dedicar a vida a salvar pessoas, mesmo que isso custasse a sua própria”, discursou.
Marizelli entrou para a corporação em 2 de julho de 2018. Em 10 meses, participou do curso de formação e ingressou no 2º Grupamento, de Taguatinga, em julho deste ano. “O curso é muito difícil para todo mundo, mas ela nunca demonstrou falta de vontade com a rotina. Sempre estava animada e era nossa ‘puxadora de grito’ oficial”, contou, no velório, o soldado Adriano Lima, colega de Marizelli.
Depois do curso, o ânimo da bombeira permaneceu. “Ela era a primeira a descer, a vestir o equipamento e a entrar na viatura. Um exemplo de vontade”, ressaltou. Adriano acrescentou que a amiga deixa uma mensagem de determinação. “Em homenagem a ela, vamos nos dedicar em dobro. Esse sacrifício será combustível”, disse.
Após o velório, o cortejo seguiu para o Cemitério de Taguatinga. Dezenas de veículos dos bombeiros, da Polícia Militar e do Departamento de Trânsito (Detran) fizeram o trajeto, e parte da Avenida Samdu Norte foi interditada.
O acidente
No domingo, Marizelli foi atingida por um galho de eucalipto e por fios de alta-tensão enquanto combatia um incêndio em uma área de cerrado na QNL 2, em Taguatinga. Ela ficou internada por quase 10 horas no Hospital Regional de Ceilândia. A equipe médica avalia que a soldado morreu em decorrência de fraturas. Há também a possibilidade, que precisa ser confirmada pelas perícias, de que Marizelli tenha sofrido uma descarga elétrica, pois a árvore atingiu cabos de energia. A militar sofreu ferimentos nas costelas, no braço e na perna, além de traumatismo craniano. Teve cinco paradas cardiorrespiratórias.
O Centro de Comunicação Social do Corpo de Bombeiros se pronunciará sobre os detalhes do acidente hoje, após ter prestado todas as homenagens.