Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Imprensa Diária sábado, 11 de agosto de 2018

BOLSONARO – UM ESPELHO DO BRASIL

 

UM ESPELHO DO BRASIL

J.R. Guzzo

A dois meses da eleição para escolher o próximo presidente da República, está na hora de dizer com franqueza algumas coisas possivelmente incômodas a respeito do deputado Jair Bolsonaro, o candidato mais discutido desta e talvez de qualquer outra eleição presidencial brasileira. Não há lembrança de nenhuma figura parecida com ele. Nunca alguém foi tão odiado pelos adversários como Bolsonaro. Nunca um candidato a qualquer coisa neste país encontrou tanta oposição nos meios de comunicação quanto ele. Nunca houve tanto esforço para implodir uma candidatura quanto o que está sendo feito contra a sua. Ninguém, antes dele, foi descrito com tanta indignação como uma ameaça à democracia, à população brasileira e à própria ideia de uma vida civilizada no Brasil. Mas em algum ponto, ao longo dessa caminhada, perdeu-se o contato com certas realidades que não irão embora só porque não se fala delas. Seria bom lembrar um pouco quais são. A primeira é que o deputado Bolsonaro não é uma ameaça, definitivamente, para os milhões de brasileiros que vão votar nele — ao contrário, acham que o homem é uma solução, e têm o direito de achar isso. É útil lembrar, também, que ninguém é obrigado a votar “certo”. A lei diz apenas que você pode votar em quem quiser, e não estabelece controles de qualidade para o seu voto; não é pecado votar em Bolsonaro, nem um ato de virtude votar nos outros candidatos, ou vice-versa. Enfim, é preciso ter em mente que Bolsonaro só chegará à Presidência da República se a maioria absoluta dos brasileiros decidir que o presidente deve ser ele.

Eis aí, mais uma vez, a questão que jamais se cala: a democracia é uma coisa perigosa. Não serve, positivamente, para quem não está disposto a conviver com a ideia de que eleições são decididas por maiorias, e maiorias frequentemente são estúpidas. Quer dizer: podem, o tempo todo, tomar a decisão de votar justo naquele que você acha o pior candidato. Não gosta disso? Então você está com um real problema. A massa do Brasil é essa aí que existe hoje; pode ser altamente insatisfatória, mas é a única disponível. Não é sua função, além do mais, fazer o trabalho de Deus Pai; não lhe cabe separar o bem do mal. É muito simples: não é a maioria dos votos que decide o que é a verdade. Maiorias servem para eleger governantes, não para estabelecer a virtude, ou para definir quem tem razão, ou para tornar as pessoas felizes. A eleição de outubro, muito simplesmente, vai mostrar qual é o Brasil que existe na vida real — se Bolsonaro ganhar, é porque o Brasil de hoje é mais parecido com ele do que com os seus adversários. Isso não transforma os eleitores do deputado em seres humanos piores ou melhores. Quer dizer apenas, caso acabe vencendo, que são mais numerosos.

Tudo isso, naturalmente, serve para qualquer outro dos candidatos com possibilidades reais de suceder ao presidente Michel Temer. Mas um eventual sucesso de Bolsonaro, ou mesmo uma simples votação em massa no seu nome, é algo que não está sendo visto apenas como um dos azares comuns de uma disputa eleitoral. Pela descrição feita até agora por quase todos os formadores de opinião, comentaristas políticos e personalidades de primeiro plano na vida pública brasileira, isso seria uma desgraça histórica ─ a negação, segundo asseguram, das liberdades, direitos e garantias que fundamentam os regimes democráticos, é um convite à autodestruição do país. Será realmente assim, ou algo parecido? Para saber com certeza é preciso, antes de mais nada, que Bolsonaro seja mesmo eleito presidente da República, coisa bem mais fácil de discutir do que acontecer na vida real – sabe lá Deus quanta água vai rolar até 7 de outubro, dia marcado para o primeiro turno, e dali para a frente. Uma coisa é certa. Bolsonaro pode ser o pior candidato de todos os que se apresentaram para suceder a Michel Temer. Pode até ser o pior da história. Mas a solução para o eleitor que acha isso está aberta o tempo todo: basta não votar nele.

O que seguramente não deu certo, até agora, foi o esforço para apresentar Bolsonaro como uma espécie de filme-catástrofe ─ ou melhor, só deu certo para ele. A simpatia pelo candidato na mídia foi e continua sendo zero. Pior que isso, na verdade: a irritação que Bolsonaro provoca nos jornalistas é algo provavelmente sem precedentes na história da imprensa brasileira. Sua situação não melhora fora da mídia. Politicamente ele continua isolado. Em quase dois anos como candidato à Presidência, conseguiu o apoio de um único partido entre os 35 que estão aí; é tudo o que tem para disputar a Presidência. Já sofreu mais de trinta pedidos de cassação de seu mandato na Câmara dos Deputados. Tem menos de dez miseráveis segundos de tempo na propaganda obrigatória da televisão. Em matéria de dinheiro para campanha, então, é mais pobre que um caça-ratos desempregado. Antes de receber o primeiro voto já se discute seriamente a hipótese de ser pedido o seu impeachment como presidente; da mesma forma, condenam-se as suas possíveis intenções de fechar o Congresso Nacional e criar uma ditadura no Brasil depois de eleito. Mas apesar de todos esses contratempos, Bolsonaro foi crescendo até chegar onde está. O que houve?

Houve, pelo jeito, que os meios de comunicação, os partidos e quem mais influi na política estão falando uma coisa e grande parte dos brasileiros está pensando outra. Ou seja, quanto mais batem em Bolsonaro, mais aumenta o número de eleitores que querem votar nele ─ porque muita gente acha certo, justamente, aquilo que os críticos apontam como seus piores pecados. Onde vaiam, o público aplaude. É duvidoso, na verdade, que o eleitor esteja muito incomodado com a falta de preparo de Bolsonaro, um dos pontos mais bombardeados de sua candidatura. Num país que já foi presidido por Dilma Rousseff fica difícil, francamente, imaginar alguém que consiga ser pior ─ e, de mais a mais, qual é o preparo da candidata (e já ex-candidata) Manuela d’Ávila, por exemplo, e outros que valem o mesmo que ela? Também não parece, até o momento, que o eleitorado esteja sentindo a necessidade de saber, já, quem vai ser o ministro da Economia de Bolsonaro, se também não sabe os ministros da Economia de nenhum outro candidato. É mais ou menos a mesma coisa com o programa de governo. O programa de Bolsonaro, por tudo que foi possível saber até agora, é uma perfeita escuridão. Acontece que a maioria dos demais candidatos propõe a mesma charada. A ideia mais ambiciosa que apareceu até agora foi acabar com o serviço de proteção ao crédito.

O problema são as outras coisas. A artilharia verdadeiramente pesada cai em cima de Bolsonaro quando ele diz que é contra as cotas para negros, que os quilombolas vivem na vadiagem ou que o território das reservas indígenas deveria ser reduzido. O candidato desperta escândalo quando é acusado de homofobia, por negar que os homossexuais sofram mais violência do que a média dos brasileiros ─ ou por declarar-se contra a exposição, nas escolas, das ideias segundo as quais pertencer ao gênero feminino ou masculino não é uma realidade fisiológica, mas uma questão de livre escolha por parte dos alunos. Deixa os adversários indignados ao dizer que Lula e o PT são inimigos do Brasil. É especialmente ofensivo, aos olhos de seus juízes, quando aplaude o regime militar e a repressão aos grupos armados que agiam para derrubar o governo. Em sua visão, as duas partes estavam em guerra ─ e na guerra é preciso matar o inimigo. O candidato se faz detestar, também, quando apoia o agronegócio e faz pouco dos “agrotóxicos”. É acusado de ser um delinquente social quando se declara contra o MST, a “reforma agrária”, ou a invasão de imóveis nas cidades ─ ou contra a legalização de drogas, o desarmamento da policia e os “programas sociais” como bolsa-família, bolsa-pesca e por aí afora. Atrai ataques exasperados quando nega que o crime seja um problema social; acha que é falta de policia, direitos excessivos para os criminosos e impunidade geral.

O nó complicado que se formou em volta da candidatura de Jair Bolsonaro está justamente aí ─ os brasileiros que pretendem votar nele estão convencidos de que as posições descritas acima, que tanto estupor causam em seus críticos, são o máximo em matéria de boa política. O que a mídia apresenta como denúncia os seus eleitores tomam como elogio. Os argumentos utilizados contra ele se transformam, para milhões de eleitores, em argumentos a favor. A questão, no fim das contas, talvez não seja exatamente o candidato Bolsonaro. A questão é o tamanho desse Brasil que vê nele o seu herói, defensor e espelho. É o que a eleição para presidente vai mostrar.

 

 

 


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