RIO — Em março de 1940, a polícia invadiu “O Estado de S. Paulo”, alegando que o jornal articulava para derrubar Getúlio Vargas. O Brasil vivia a ditadura do Estado Novo, e a censura era comum. Após a invasão, foi convocada uma reunião do Conselho Nacional de Imprensa (CNI), em que o governo sugeria uma intervenção no “Estadão” e queria o apoio dos representantes de classe. A Associação Brasileira de Imprensa e o Sindicato dos Jornalistas votaram com o governo. Mas não Roberto Marinho. O varguista Lourival Fontes, que controlava o CNI, argumentou: “O conselho vai aprovar, é melhor que seja por unanimidade. Vai ficar ruim você ser derrotado”.
Roberto Marinho respondeu: “Prefiro ser derrotado. Não vou concordar com esse absurdo”.
Naquela ocasião, o jornal dirigido por Marinho, O GLOBO, não era o primeiro, o segundo e nem o terceiro mais importante do país. Mas ele parecia saber onde iria chegar. O primeiro dos dois volumes de sua biografia, “Roberto Marinho — O poder está no ar”, escrito pelo jornalista Leonencio Nossa e que acaba de ser lançado pela editora Nova Fronteira, mostra décadas da História do Brasil pelo olhar de Marinho, destacando a influência política de quem dialogava com todos os lados, mas evitava radicalismos.
Juventude e boêmia
O período coberto por esse primeiro volume vai até 1969, quando foi lançado o “Jornal Nacional”. No início, o livro mostra como Irineu Marinho, um jornalista ilustre do Rio de Janeiro, fundou O GLOBO, em 29 de julho de 1925. O diretor do novo jornal, contudo, morreu 21 dias após a inauguração, deixando para Roberto, o filho mais velho, a tarefa de ser o “homem da casa” e de cuidar dos negócios. Isso tudo se não fossem dois pequenos empecilhos: Marinho tinha 20 anos quando o pai morreu, e a redação do jornal nunca aceitaria seu comando; além de que, com tal idade, havia um desejo compreensível por boêmia. Pelo bem do GLOBO e da juventude do rapaz, o comando do jornal foi entregue, portanto, ao baiano Eurycles de Mattos, antigo companheiro de Irineu.
Marinho interessou-se pelo jornal aos poucos. Enquanto isso, como relata o livro, curtia a cidade. Frequentava sambas e fez amizade com Sinhô. Também namorava, e não era pouco.
Apenas em 1931, após a morte de Eurycles, Marinho, aos 26 anos, assumiu completamente o comando da redação. Era um momento conturbado da História, o primeiro dos muitos que ele acompanharia num assento privilegiado. Getúlio, por quem naquele momento Marinho nutria simpatia, havia assumido o poder no golpe da Revolução de 30. Dali em diante, as relações de Marinho com políticos sempre foram ambíguas.
Contra os extremismos
Leonencio foi minucioso em analisar editoriais e manchetes do GLOBO para, assim, compreender a cabeça de seu diretor. João Goulart, o presidente deposto pelo golpe militar de 64, por exemplo, tinha o apreço pessoal de Roberto Marinho, apesar de o jornal criticar aspectos do seu governo. O problema, para o jornalista, era o extremismo: ele combatera em igual medida o comunismo e o fascismo. Mas poupou Goulart. “O presidente foi tratado como um defensor da ‘liberdade’ e da ‘democracia’, mas, ao mesmo tempo, tornava-se, sob o ângulo do jornal de Marinho, uma figura menor no debate sobre a ‘ameaça’ comunista”, escreve Leonencio.
A biografia também aborda casos controversos na trajetória de Marinho, como o acordo da TV Globo com o grupo americano Time-Life, que levou a uma CPI e acabou encerrado em 1971. Trata, ainda, da atuação do que Leonencio chama de lobistas: eram nomes como o poeta Augusto Frederico Schmidt e o advogado Herbert Moses, que atuaram junto a políticos e empresários pelos interesses das empresas de Marinho — na sequência do GLOBO vieram histórias em quadrinhos, revistas, a rádio e a TV.
Ao final deste primeiro volume de sua biografia, Leonencio conclui: “A matemática não define o perfil democrático ou ideológico de Marinho. No emaranhado de paradoxos, ele mostrou coerência, em todos esses momentos, ao defender sua empresa”.