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Tecnologia de reconhecimento facial (TRF) será empregada em áreas públicas, com grande fluxo de pessoas, como a Rodoviária do Plano Piloto. Locais ainda serão definidos
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Realidade em estados como Bahia, Paraíba, Rio de Janeiro e Santa Catarina, a tecnologia de reconhecimento facial (TRF) em áreas públicas está regulamentada no Distrito Federal. Ontem, o governador Ibaneis Rocha (MDB) sancionou a Lei n° 6.712, que dispõe sobre o uso do sistema. A decisão foi publicada no Diário Oficial do DF (DODF). A medida consiste no rastreamento de movimentos físicos ou imagens estáticas e visa a redução das taxas de criminalidade. Hoje, a capital conta com 728 câmeras de vigilância, mas sem a TRF. População e especialistas acreditam que a iniciativa será benéfica (Veja Povo fala e Cara a cara), no entanto, há temor quanto ao vazamento de dados pessoais e quanto à possibilidade de que pessoas inocentes sejam confundidas com criminosos.
A ideia é de que os equipamentos sejam instalados em locais de grande circulação de pessoas, como a Rodoviária do Plano Piloto, é o que explica o autor da PL, o deputado distrital João Hermeto (MDB). “Uma câmera, às 18h, pegando todos que passam pela Rodoviária, por exemplo, vai ser superpositiva. Esse sistema é totalmente diferente das câmeras que temos hoje. Muitos criminosos roubam estabelecimentos, cometem assaltos e não são identificados com a tecnologia usada atualmente. Então, com certeza, com essa iniciativa, teremos uma redução nas taxas de criminalidade”, ressalta.
As câmeras serão postas, exclusivamente, em locais públicos, onde deverão ser afixadas placas visíveis informando do monitoramento feito pelo equipamento de vigilância. Elas funcionarão da seguinte maneira: ao passar e olhar em direção à câmera, a pessoa terá os dados pessoais captados e direcionados a uma central de monitoramento, que será gerenciada por agentes públicos. Dessa forma, será possível saber se o indivíduo é foragido da Justiça, procurado pela polícia ou se tem mandado de prisão em aberto. As imagens ficarão armazenadas por até cinco anos no sistema e, depois, serão descartadas. As fotos poderão, ainda, ser compartilhadas com órgãos de segurança pública de outras unidades da federação.
Como prevê o texto, fica vedado o uso de TRF para vigilância contínua de uma pessoa ou grupo de indivíduos, em qualquer hipótese. E, toda sinalização de identificação positiva gerada pelo sistema de reconhecimento facial deverá ser revisada por um agente público.
Previsão
Ainda não há, no entanto, uma data para a instalação dos equipamentos, onde eles ficarão e quanto custará aos cofres públicos. O Correio apurou que, em breve, o deputado João Hermeto e o secretário de Segurança Pública (SSP-DF), Anderson Torres, se reunirão para discutir esses pontos. Procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) esclareceu que a implementação da tecnologia de reconhecimento facial está sendo estudada pela pasta e que o sistema de videomonitoramento atual da secretaria não dispõe desse tipo de equipamento.
“Vamos discutir com o governo. O GDF ainda vai ter o prazo para comprar, e tenho certeza de que vai implementar o serviço o mais rápido possível. Foi aprovado hoje (ontem), mas vou sentar com o secretário para decidir algumas coisas. São questões a serem definidas”, destaca João Hermeto.
O projeto de lei foi publicado no Diário Oficial da Câmara Legislativa em 20 de outubro. A proposta havia sido apresentada em 7 de outubro. À época, a deputada Arlete Sampaio (PT) questionou o projeto e apontou contradições com o que está disposto na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), aprovada em agosto de 2018, que estabelece a proibição, entre outras coisas, do tratamento dos dados pessoais para a prática de discriminação ilícita ou abusiva.
A LGDP entrou em vigor no Brasil em setembro deste ano. A legislação dispõe sobre o uso de dados pessoais de indivíduos por empresas, órgãos públicos e privados e estabelece uma série de medidas para evitar que cidadãos tenham esses dados vazados. Para fiscalização do cumprimento da lei, criou-se a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). O órgão será responsável pela aplicação das sanções a quem descumprir as normas da LGPD. A princípio, as normas dispostas no texto da LGPD não invalidam o uso de tecnologia de reconhecimento facial.
CONTRA
Welliton Caixeta Maciel, professor de Antropologia do Direito da Universidade de Brasília (FD/UnB), pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (NEViS/UnB) e do Grupo Candango de Criminologia (GCCrim/FD/UnB)
A tecnologia de reconhecimento facial é uma realidade em diversos outros lugares do Brasil e do mundo e, agora, oficialmente, implementada no Distrito Federal. Mas, devemos observá-la com crítica e reserva. Sua utilização na segurança pública soma-se a esse tipo de iniciativa pirotécnica, revelando uma obsessão securitária pelo uso de dispositivos de controle, fundada em um tríplice regime de legitimação: segurança, visibilidade e eficácia. Não obstante o DNA e a biometria, a tecnologia de reconhecimento facial se vale de sistemas eletrônicos, digitais e informatizados, a partir dos quais os indivíduos passam as ser classificados e categorizados em uma espécie de catálogo que alimenta um “laboratório de vigilância” permanente. A utilização da tecnologia de reconhecimento facial na segurança pública tem como possíveis benefícios ou vantagens, a depender dos operadores que a manuseiam, auxiliar como recurso tecnológico de controle social dos espaços geolocalizados e, consequentemente, das interações sociais que neles se dão, servindo como meio de identificação de possíveis delitos e infrações, capaz de trazer alguma sensação de segurança, ainda que momentânea, aos cidadãos. Todavia, deve-se observar com muita parcimônia seu emprego na segurança pública e como sua utilização pode servir para reforçar estereótipos e estigmas dos próprios operadores do sistema, servindo como dispositivo de filtragem racial na seleção policial de suspeitos, no reforço de preconceitos e discriminações étnico-raciais, de classe, de gênero, violências homo/lesbo-transfóbicas, entre outros tipos. Sistemas como esses podem levar inocentes à cadeia, a depender de como as informações e os dados produzidos, catalogados e manuseados pelos operadores se prestarão a filtros de seletividade penal, filtragem étnico-racial, controle social de grupos e indivíduos.
A FAVOR
Ivon Iizuka, advogado com especialização em direito público e analista de sistemas
Os sistemas de comparação de imagem humana é uma tendência mundial, como é de conhecimento da maioria das pessoas. Em alguns países, essa comparação é feita independentemente de se estar ou não em “bancos criminais”. No caso do Distrito Federal, entendemos que esse sistema deve se concentrar, ao menos inicialmente, em detectar pessoas que tenham passagem na polícia, foragidos, pessoas que têm mandado de prisão, não só no DF, mas, também, em outros estados, e isso pode ser feito por meio de instrumentos jurídicos de cooperação. Penso ser bastante vantajoso, na medida em que se estabelece mais um mecanismo de proteção da sociedade em relação às pessoas que, por algum motivo, estão em débito com a Justiça. A sensação de segurança tende a ser aumentada. Deixa-se de ter críticas em relação às abordagens policiais porque, com isso, obtém-se, por meio de comparação de imagens, um critério objetivo, com resultado positivo ou negativo para a pessoa abordada. A velocidade na resposta do Estado diante de um crime é bem mais rápida. Tecnologia para isso já temos. Esses sistemas são a última geração de tecnologia de identificação. Existem analíticos muito precisos para essa captura e comparação de imagem. Será um salto gigantesco para a segurança pública. Sairemos de uma abordagem policial “às cegas” para um formato mais seguro por saber, ao menos, indícios do histórico da pessoa que está sendo abordada. O fato é que, com esse sistema funcionando, o DF passa a ser referência como unidade da federação atuante, pró-ativa e preventiva, e que desponta nos mecanismos de segurança pública, ofertando à população maior sensação de segurança que efetivamente se concretiza.
Povo fala
“Mais cedo ou mais tarde, isso aconteceria, devido ao avanço da tecnologia e à forma como o mundo está caminhando. É uma iniciativa positiva, mas se as leis melhorassem e fossem mais rígidas, seria muito melhor. Porque prendem bandidos, mas soltam no outro dia”
Sebastião dos Santos, 38 anos, cozinheiro e morador de Luziânia
“Se as pessoas não devem nada, para que temer? Acho que isso trará mais segurança para a população, porque será possível identificar criminosos facilmente”
Luís Eduardo Oliveira, 25 anos, ajudante de entregador e morador de Brazlândia
“Acho válido, uma vez que o reconhecimento diminuirá as taxas de criminalidade. Querendo ou não, as pessoas ficarão receosas em cometer determinados crimes, justamente, pelo fato de saberem que estão sendo vigiadas. Mas, também, tem a questão da privacidade, que pode ser invadida.”
Ester Galeno, 19 anos, estudante e moradora da Asa Norte
“Tem os dois lados da moeda. O lado bom é que ajudará a evitar crimes, mas o ruim é que você terá os dados pessoais expostos. Eu não gostaria dessa invasão
de privacidade.”
Ana Paula Junqueira, 50 anos, doméstica e moradora de Ceilândia