A História sempre foi contada e registrada pelos vencedores da maneira que bem entenderam. Os livros nos ensinam os feitos, as obras e a vida dos grandes homens que governaram por certa época; são os governadores, prefeitos, senadores, deputados, juízes, alguns jornalistas e literatos. Sou apenas um modesto contador de história que por não se atrever a descrever o heroísmo de tão peculiar casta construtora da nação, me contento a narrar aventuras de figuras simples que me impressionaram e marcaram sua passagem no cotidiano da cidade e certamente não ficaram registradas em livros ou jornais da época.
Gente que conheci perambulando pelo centro da cidade desde menino, como foi o caso de Bezerrão, um investigador da Polícia, considerado “velha guarda” da corporação. Ninguém sabia seu primeiro nome, todos o chamavam por Bezerrão. Morava no Prado, na Rua da União, nos fundos da Rede Ferroviária do Nordeste, antiga Great Western, quando ainda pertencia aos ingleses.
Toda tarde Bezerrão, vestido num terno de brim ou linho branco, paletó de quatro botões, plantava-se na Praça do Pirulito pedindo carona aos carros que passavam para o centro da cidade. Alguma alma caridosa levava nosso herói para comparecer a seu “plantão” diário nas rodas de conversa fiada que se formavam no trecho entre o Café Colombo, o Bilhar, passando pelo Salão Elite do Zezé e a Assembleia Legislativa. Quem quisesse achar Bezerrão bastava procurá-lo nesse corredor da Rua do Comércio, infalivelmente estava lá nosso respeitado policial.
Alto, forte, físico avantajado, vozeirão assustador, metia-se em tudo que era roda que houvesse nos bares e nas ruas, como se aquele pedaço pertencesse a ele. Conversar, bater papo era sua distração. Opinava sobre qualquer assunto, gostava de dar “pitacos”, soltar “tiradas”, frases de efeito, algumas de sua autoria que impressionavam ou divertiam a todos. Na verdade havia muita sabedoria em sua filosofia. Ele costumava repetir um dito aprendido com um italiano proprietário de uma loja de calçados na Rua do Comércio. Quando se falava de mulher gaieira, traidora, Bezerrão soltava a frase misturando português e italiano:
– “Si tuto cornuto fosse lampioni, mamma mia, quanta iluminacioni !” .
Não tinha preconceitos ou acanhamento, entrava em qualquer roda, dava opiniões sobre tudo. Querido e festejado, principalmente dos boêmios, políticos e desocupados que o instigava a contar fanfarronices. O problema era desligar Bezerrão, quando começava a falar.
Certa vez em passagem pela Assembleia Legislativa aproximou-se de um grupo de deputados formado por Teotônio Vilela, Remi Maia, Luiz Coutinho, Elízio Maia, que pararam a conversa quando Bezerrão se achegou. Teotônio com sua franqueza foi logo despachando:
– “Bezerrão, estamos conversando um particular sobre problemas políticos.”
Bezerrão antes de ir embora, não se conteve, perguntou:
– “É que passei uns dias numa fazenda e estou com uma dúvida e quero que os senhores deputados me tirem essa dúvida: Por que a cabra que come capim quando faz cocô saem aquelas bolinhas pequenas, enquanto a vaca que também come capim, o cocô é enorme e espalhafatoso?” Como os deputados ficaram calados, ele rematou.
– “Os senhores não entendem de merda, avaliem de política!”
Retirou-se faceiro e gozador, ouvindo a gostosa e escancarada gargalhada de Teotônio, e a sisudez dos outros deputados que não gostaram da folga do policial.
Como investigador era ídolo dos mais jovens, os quais Bezerrão não perdoava com trotes e gozações. Certa tarde atiçou um policial novato para desarmar um cidadão que tomava sossegadamente cerveja em uma mesa no Café Colombo. O cidadão era o Capitão Camarão do Exército, conhecido na cidade como boêmio e encrenqueiro.
Quando o jovem policial perguntou ao senhor pacato, tomando cerveja, se estava armado; o Capitão retirou uma 45 (arma exclusiva do Exército) da cartucheira, colocou a pistola em cima da mesa e fez a pergunta ameaçadora.
– “Estou armado! E daí?”
O jovem ficou embaraçado sem saber o que fizesse naquele momento. Bezerrão foi em socorro, contou ao Capitão que tinha sido o mentor daquela “brincadeira”. Os três juntos ficaram até tarde da noite bebendo por conta do militar, que apesar de ser chegado a uma confusão, era um tremendo boa praça, querido no meio boêmio da cidade.
Na Rua do Comércio o pessoal adorava ouvir suas tiradas e iam ao delírio quando, por exemplo: um frequentador daquela rodinha do Café Colombo, recentemente eleito vereador, agora metido à autoridade, passou ao longe sem parar, sem se achegar, como fazia sempre antes das eleições. Bezerrão, não se conteve, gritou para o vereador ouvir do outro lado da rua.
– “Cavalcante! Agora como vereador você está metido à merda. Cuidado. Se tudo que subisse não caísse, o céu estava cheio de taboca de foguetes.”
Bezerrão, filósofo do povo, figura imortal, fez história nas ruas da cidade de Nossa Senhora dos Prazeres, na Maceió de outrora. Sua filosofia ainda está atual quanto à de Platão desde os anos 400 Antes de Cristo.