Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Correio Braziliense domingo, 03 de março de 2024

BETH ERNEST DIAS: MESTRE DA FLAUTA E GUARDIÃ DA MEMÓRIA DO CHORO EM BRASÍLIA

 

Beth Ernest Dias: mestre da flauta e guardiã da memória do choro em Brasília

Professora aposentada da Escola de Música de Brasília, Beth Ernest Dias relembra a trajetória da formação de flautistas e dedica-se a manter documentos essenciais para a capital

MN
 
Mariana Niederauer
postado em 03/03/2024 06:01
 
Beth Ernest Dias escreveu a biografia do citarista Heitor Avena de Castro, onde conta a história do choro em Brasília -  (crédito: Arquivo pessoal)
Beth Ernest Dias escreveu a biografia do citarista Heitor Avena de Castro, onde conta a história do choro em Brasília - (crédito: Arquivo pessoal)

Beth Ernest Dias gosta de uma história bem contada. Não à toa, ela mesma ajudou a escrever a história da flauta e do choro em Brasília, com destreza herdada da mãe, a francesa Odette Ernest Dias. Foram anos de dedicação à música, nos palcos e nas salas de aula. Agora, ela se concentra em manter viva a memória dos anos de pioneirismo na Escola de Música de Brasília e na Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, há anos órfã de sua casa.

Reconhecida flautista, formou-se em uma época em que o Google não existia — como bem reforça o mestre Severino Francisco em uma de suas crônicas. Aprendeu desde cedo o valor de uma memória construída, mantida e disseminada. E se, hoje, você digitar o nome dela na pesquisa do principal buscador do mundo, encontrará uma variedade de referências. De obras escritas e tocadas; no YouTube ou Spotify; em reportagens e em textos acadêmicos. 

Maria Elizabeth Ernest Dias nasceu no Rio de Janeiro. A mãe, Odette, já tinha reconhecida carreira em Paris quando se mudou para o Rio, em 1952, para integrar a Orquestra Sinfônica Brasileira. Ela e o bancário Geraldo Dias tiveram seis filhos. Assim como Beth, Cláudia, Andréa e Carlos seguiram pelos instrumentos de sopro. Jaime escolheu o violão e Irene não seguiu carreira na música. A família morava em Laranjeiras e as crianças desbravaram o universo musical na extinta escola de música ProArte.

"Como começamos a estudar música em criança, quando éramos adolescentes já estávamos dando aula. Foi assim também que viramos professores, todos nós", relata ela. Aos 14 anos, Beth dava aulas de flauta doce e de piano para vizinhos. Um pouco mais tarde, migrou para a flauta transversa.

Mudança

O destino os trouxe para Brasília como fez com muitos: a mudança dos pais para assumir cargo na administração pública na nova capital do Brasil. Odette veio em 1974 e tornou-se professora da Universidade de Brasília (UnB). À época, Beth atuava como flautista no Rio de Janeiro. Na capital fluminense, integrou o grupo A Fina Flor do Samba, que tocava com a saudosa cantora Beth Carvalho. Só se mudou para a nova capital anos mais tarde, em 1979, com a segunda filha recém-nascida.

A opção pela flauta foi natural, e Beth não esconde a influência absoluta da mãe. "Cem por cento!", diverte-se. "Hoje, penso que deveria ter sido pianista, mas acabei escolhendo a flauta. Eu gostaria de tocar piano melhor", detalha. "Minha vida foi ficando muito atribulada, muito cheia: trabalho, estudo, casamento, criança. Tudo muito cedo, muito rápido, muito intenso. Então, não dava mais para estudar piano", atesta.

A vida lhe daria mais à frente, no entanto, a parceira que completou como perfeita sinfonia as apresentações: Francisca Aquino. Em dueto de flauta e piano, as duas tocaram obras que perpassam a música brasileira. O mais belo e clássico do choro passou por aquelas quatro mãos. "Minha super parceira. Nós trabalhamos muito tempo juntas, tocando como dupla de flauta e piano. Na Escola de Música também. Nós duas tivemos sempre a preocupação de fazer girar, dentro da escola, o que fazíamos fora. Isso proporcionava uma dinâmica muito boa. E agora ela me faz uma falta danada…", lembra-se, emocionada. Juntas, lançaram, em 1999, o CD A Inúbia do Cabocolinho.

Brasília, uma apoteose

No apartamento de Odette e Geraldo, na 311 Sul, foi gestado o Clube do Choro de Brasília. O pai, apesar de não ser músico, ajudou nas questões burocráticas para a instalação da sede do clube. Em solo candango, Beth fez parte do grupo Corda Solta, com Paulo André Tavares, Tony Botelho e o irmão Jaime; e do Instrumental e Tal, liderado por Renato Vasconcellos. Terminou o bacharelado em flauta também por aqui, na UnB, onde foi aluna da mãe, ao lado da primeira geração de flautistas da cidade.

"Brasília, para mim, foi uma vivência muito movimentada e muito alegre", recorda-se, mencionando o Concerto Cabeças, evento cultural na 311 Sul entre 1978 e 1982. Já no fim do ano de 1979, passou a integrar a recém-criada Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional, sob a batuta de Claudio Santoro. A primeira experiência como docente em Brasília ocorreu em paralelo, no Sesi de Taguatinga, e sem deixar de ministrar aulas particulares.

O convite para integrar o time de professores de flauta da Escola de Música de Brasília veio em 1985, quando Carlos Galvão assumiu a direção. À época, Beth não tinha a licenciatura, mas logo o Ministério da Educação e Cultura abriu trâmite para reconhecer os diplomas de bacharelado de músicos e outros profissionais para que alcançassem a habilitação em licenciatura. "Eu já me sentia professora", reforça.

E os filhos a lembram sempre, em casa, a razão que a despertava esse sentimento: "É uma mania de ficar ensinando, um jeito professoral que eu acho que eu sempre tive. Sou a mais velha, e eles dizem que sou mandona e autoritária. 'Lá vem a mamãe'. É engraçado, pois tenho mais esse lado do que minha própria mãe." Mas a intenção, ela destaca, é a de mostrar o caminho menos desgastante e guiar o aluno por uma trajetória árdua.

 

  • Beth Ernest Dias, flautista e professora aposentada da Escola de Música de Brasília. Coluna Nossos mestres. 3/4/2024
    Beth Ernest Dias, flautista e professora aposentada da Escola de Música de Brasília. Coluna Nossos mestres. 3/4/2024Mariana Niederauer/CB/D.A. Press
     
  • Despedida da EMB, ao lado de de Isabela Sekeff e Ariadne Paixão
    Despedida da EMB, ao lado de de Isabela Sekeff e Ariadne PaixãoBreno Fortes/CB
     
  • Com a pianista Francisca Aquino, parceira de mais de 20 anos
    Com a pianista Francisca Aquino, parceira de mais de 20 anosRui Faquini/Divulgação. 
  • Beth ao lado do irmão Jaime e de Giovane Pasche, na Roda de choro na casa de Dolores Tomé
    Beth ao lado do irmão Jaime e de Giovane Pasche, na Roda de choro na casa de Dolores ToméAlex Magno/Divulgação
     
     
  • No palco, com a mãe Odette e o irmão Jaime, em 2010
    No palco, com a mãe Odette e o irmão Jaime, em 2010Elenize Dezgeniski/Divulgação
     
     
  • Memória de Heitor Avena de Castro, para a pesquisa da biografia do músico
    Memória de Heitor Avena de Castro, para a pesquisa da biografia do músicoLuís Nova/Esp. CB
  • Acervo da música em Brasília
    Acervo da música em BrasíliaLuís Nova/Esp. CB
     
     
  • Acervo de anos da música em Brasília, da Sinfônica ao choro
    Acervo de anos da música em Brasília, da Sinfônica ao choroLuís Nova/Esp. CB
 

 

Beth explica que são necessários ao menos 14 anos de formação para se tornar músico. O paralelo mais próximo é com o esporte. "É uma atividade que demanda trabalho físico, intelectual e mental, e uma carga emocional muito grande."

A partir dessa reflexão, Beth traz uma análise crítica até mesmo dos anos de trabalho na Escola de Música de Brasília. Na avaliação dela, faltou e falta um projeto pedagógico que alce a instituição a um patamar muito mais elevado do que a fama trazida por poucos alunos reconhecidos devido a esforços individuais. Uma das mágoas da musicista e do grupo de flautistas que a acompanhou na docência é justamente o fato de o diploma recebido ao fim do curso na escola, hoje um centro profissionalizante, não ter a merecida relevância.

Nivaldo de Souza, Silvana Teixeira, Toninho Alves, Paulo Magno Borges, Sidnei Maia, Ariadne Paixão, Luciana Morato, Madelon Guimarães e Alessandra Laluce são alguns dos nomes que formaram o célebre grupo de ex-alunos de dona Odette a integrar o corpo docente da Escola de Música. "Meu período como professora na escola foi exitoso de uma parte, mas, sobretudo, porque eu tive a sorte de fazer parte desse grupo."

A união entre eles passava das provas coordenadas para todos os alunos de uma vez ao incentivo à criatividade no "Recreio dos flautistas". "Nós tínhamos uma afinidade de ideias, uma afinidade estética, uma afinidade musical e uma afinidade de expectativas em relação aos nossos alunos. É a parte que mais me emociona na Escola de Música: a chance de ter trabalhado em grupo com pessoas de cabeça assim. Além de tudo, a gente era muito alegre!"

As críticas se estendem porque ela tem uma visão ambiciosa do potencial da escola. A expansão para outras regiões administrativas, por exemplo, era um dos sonhos dos professores da sua geração. "Nós queríamos mais, mas o mais não havia", lamenta. Queixa-se também por não ser possível, nesse cenário, ter contribuído ainda mais para a formação de músicos na cidade. "Formamos tão poucos que os conhecemos pelo nome. Não devíamos saber o nome de todos, porque eles deveriam ser muitos."

Memória viva

Leitora assídua do Correio por décadas, Beth até assinou artigo nas páginas do jornal, em 2015. Contava sobre a importância da presença da alemã Gertrud Huber em Brasília, para um recital de cítara no Clube do Choro. Era oportunidade, destacou ela, para relembrar o citarista carioca Heitor Avena de Castro, de quem Beth é biógrafa. Avena foi um dos pioneiros de Brasília e morou na capital até a sua morte, em 1981. O resultado da extensa pesquisa foi publicado no livro Sábado à tarde — Avena de Castro, a cítara e o choro em Brasília, além de dois CDs gravados: Sábado à tarde e a cítara e Os choros de Avena de Castro.

Apesar da docência, a dedicação para a pesquisa tem relação também com outra característica da artista: a habilidade e a perseverança para reunir e documentar. Beth guardou todos os programas das apresentações da Sinfônica do Teatro Nacional até se aposentar, em 2010. Também tem um acervo robusto de imagens, sons e reportagens sobre o Concerto Cabeças. Acompanha as pérolas uma caixa de fitas K7 dos saraus de Avena de Castro na cidade.

"A partir de um determinado momento, eu passei a me importar muito com os registros. O registro da memória. E vejo que isso é uma lacuna aqui em Brasília. Não fossem os esforços individuais, não teríamos muita coisa", reclama Beth, ao citar o esforço da violinista Clinaura Macêdo para lembrar a história da Sinfônica de Brasília — escreveu Histórias de uma orquestra em cordel e Memorial da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro. Ativa nas discussões políticas da região onde mora, em São Sebastião, ela debate o tema também com as lideranças locais e conclama ao registro e à criação de "documentos para o futuro", como resume.

Raízes fortes

É esse projeto político e de vida que ainda mantém as raízes da professora firmes no solo do cerrado. Em 2014, aposentou-se também da Escola de Música. "Não está na pauta sair de Brasília. Por enquanto, ainda tenho bastante coisa a fazer por aqui. Eu me dediquei a escrever sobre um pedaço da história do choro na cidade", relata ela, com a primeira edição de Sábado à tarde em mãos e, na cabeça, o planejamento para lançar a segunda. Na última quinta-feira, esteve, orgulhosa, na cerimônia que declarou o choro patrimônio cultural do Brasil.

"É isso que eu penso do ser professor: é dar à outra pessoa, fazer com que ela acredite que ela pode também desenvolver o seu próprio trabalho. É pelo exemplo, pelo tanto de energia positiva que você põe no que você está fazendo", resume a mestre da música, hoje com 68 anos.

Apenas o caçula dos cinco filhos de Beth é instrumentista, Lourenço Vasconcellos. "Creio eu que já não somos a maioria. Aliás, eu tenho que fazer essa estatística para dizer com certeza", diz, aos risos. Hoje, ela divide a vida com a professora da Escola de Música de Brasília Luiza Volpini, bacharel em viola e licenciada pela UnB, com quem é casada, e é avó de oito netos.


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