Com a proposta de quebrar padrões estabelecidos pelo universo dos desfiles de passarela, a ativista e estudante de psicologia Dai Schmidt, 37 anos, decidiu acolher e dar destaque à beleza da maioria da população brasileira. Na 14ª edição do Desfile Beleza Negra, marcado para o próximo sábado, a idealizadora do evento dá voz e oportunidade para mulheres e homens vivenciarem o mundo da moda — inclusive com a possibilidade de ingresso na carreira de modelo profissional.
Em formato diferente, devido às restrições impostas pela pandemia da covid-19, o desfile deste ano será transmitido pela internet (leia Programe-se). O evento ocorrerá no Espaço Cultural Renato Russo e contará com 50 modelos. “Temos pessoas de todos os jeitos: plus size, de mais idade, de todas as classes sociais. Queremos quebrar esse padrão de colocar o negro em uma passarela assimilado à periferia, à pobreza. Meu intuito é mostrar que a população negra pode ocupar o espaço que ela quiser”, ressaltou Dai Schmidt.
O projeto nasceu como uma forma de protesto, em 2012, com força e potência de ativismo. Desde então, recebeu talentos que ganharam as passarelas após participarem de uma das 13 edições anteriores. Além disso, tornaram-se inspiração a muitas outras pessoas. “O Desfile da Beleza Negra vem para trazer essa representatividade, para mostrar que a pessoa negra é linda, além de trabalhar com a autoestima de muitas mulheres e homens”, acrescentou a idealizadora do evento.
Influenciadora digital e empresária, Maria Ulhôa, 41, participará do desfile de sábado e ficou animada com o convite recebido para o evento. “No dia em que conheci a Dai, ela falou: ‘Você vai desfilar para mim’. De supetão, eu aceitei, mas acredito que será uma experiência incrível e um processo de amar meu corpo, que é gordo, de fugir de um padrão e de representar muitas mulheres. Estou radiante de felicidade”, contou.
A ansiedade cresce à medida que sábado se aproxima, mas Maria revelou que se sente mais à vontade pelo fato de a transmissão do desfile ocorrer pela internet. Além disso, a empresária comentou que vê a iniciativa como uma forma de realizar sonhos da população negra e de levantar uma questão importante: “Beleza não tem corpo, não tem cor, e idade não limita”.
Espaço
Com uma carreira em decolagem, a modelo trans Thayla Nunes, 19, contou que a presença no evento — do qual ela participa há dois anos — abriu diversas portas para ela. “É uma honra estar em um desfile só com pessoas pretas. A moda nem sempre foi assim. (Essa iniciativa) traz grande visibilidade, ainda mais para uma mulher preta e trans”, disse a jovem.
Com uma trajetória mais longa, a modelo profissional Rayany França, 31, relatou que, durante a carreira, sofreu preconceito e presenciou diversas ações que invisibilizaram negros. Para ela, propostas como a de Dai Schmidt são importantes para valorizar essas pessoas e mostrar que elas também são belas. “Sou modelo desde os 15 anos. Já fui para desfiles que tinham duas pessoas negras e mais de 50 brancas. E, ainda, há a questão de quererem nos colocar sempre no fundo, atrás”, completou.
Na lista de participantes do evento deste sábado, Alex Lucas, 23, considera que a iniciativa — da qual participará pela terceira vez — tem o cuidado de abraçar quem está no início da carreira e pretende viver o mundo da moda. “O projeto abre espaço para modelos chegarem mais longe. Espero que quem está começando agora consiga deslanchar na carreira”, comentou o jovem, campeão do concurso de beleza Top Cufa DF de 2020. “Saber que há um desfile nosso, que nos tem como linha de frente, é muito gratificante”, acrescentou.
Enaltecimento
Com a responsabilidade de vestir os 50 modelos, quatro marcas foram selecionadas para esta edição do desfile. A Estylo Black, representada pela trancista Wania Abreu da Silva, 40, pretende levar para a passarela penteados afros e turbantes que vão harmonizar com os traços de 12 participantes. Esta será a primeira vez em que Wania assinará os looks. Em anos anteriores, ela atuou na passarela, como manequim. “Sofremos tanto preconceito com nosso cabelo, com nossa cor de pele. Vou poder mostrar meu trabalho de uma forma bem representativa”, destacou a empresária.
O camaronês naturalizado brasileiro Mike Bryant Tjeck, 32, levará a moda praia para a passarela, com vestuários que remetem à diáspora africana e estampas vibrantes, por meio da DS Afro. “São roupas que representam a cultura de vários países da África em tecidos leves e coloridos”, ressaltou Milke, que tem mais de cinco edições do Desfile Beleza Negra no currículo.
A marca Garagem Secreta, representada pela estilista Nicolly Primo, apresentará peças de brechó, com um conceito voltado à moda sustentável. Já a estilista Vera Corralero participará do evento com um vestido de vidro fundido. Para conferir a peça inusitada, será necessário acompanhar o desfile on-line. Na plataforma virtual, o público poderá comentar e interagir com outras pessoas que assistem à transmissão. A expectativa de público é de 5 mil internautas na live.