Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

O Globo domingo, 19 de março de 2023

BELA GIL: *CARREGO POUCOS TABUS*

 

Por Maria Fortuna — Rio de Janeiro

 

Bela Gil: 'Percebi que meu comportamento natural é assustador ou surpresa para muitos'
Bela Gil: 'Percebi que meu comportamento natural é assustador ou surpresa para muitos' Maria Isabel Oliveira

Bela Gil está on. A expressão resume bem o momento intenso e prolífero que vive a chef de cozinha, apresentadora e escritora de 35 anos. No campo profissional, ela lança, dia 13, o livro “Quem vai fazer essa comida?” (editora Elefante), acaba de estrear no time do programa “Saia justa”, do GNT, toca seu restaurante em São Paulo, desenvolve projetos de reality de sobrevivência e de documentário sobre a exploração sofrida por mulheres.

Na vida pessoal, terminou a relação não monogâmica de 19 anos (com João Paulo Demasi), anda namorando quem tem vontade e lidando bem com a fluidez sexual da filha. O modo como dá de ombros para pudores tem feito Bela alcançar posição além do lugar de referência que conquistou como guru da boa alimentação. Ela vem se tornando inspiração para mulheres. Mas reconhece que sua liberdade ainda espanta alguns.

— Carrego poucos tabus. Mas percebi que meu comportamento natural é assustador ou surpresa para muitos. É algo estrutural da sociedade que, com a maturidade e a exposição, aprendi que não posso tratar as coisas como dadas, desdenhar. Quero ser cada vez mais eu, verdadeira, mas jamais arrogante ou petulante. Reconhecer que sou diferente me dá o filtro de não achar que meu modo de ver a vida é comum para todo mundo — diz ela nesta entrevista, em que também conta como os memes impactaram sua vida e revela desejo de entrar para a política.

 

Bela Gil: 'Uma crítica que chegou com a separação:  'foi abrir o relacionamento, olha no que deu.’ As pessoas só leem manchete, se fossem além saberiam que foram 19 anos de relação não monogâmica bem-sucedida”  — Foto: Maria Isabel Oliveira

Bela Gil: 'Uma crítica que chegou com a separação: 'foi abrir o relacionamento, olha no que deu.’ As pessoas só leem manchete, se fossem além saberiam que foram 19 anos de relação não monogâmica bem-sucedida” — Foto: Maria Isabel Oliveira 

Saia Justa

 

"Quatro mulheres de personalidades diferentes e pensamentos antagônicos conversando, se ouvindo e se respeitando é uma mensagem muito importante. Porque as pessoas não conseguem mais dialogar. Viram inimigas e imediatamente divergem. Parece que as pessoas buscam a polaridade. Essa interação mostra que a gente pode pensar diferente, mas, ainda sim, dialogar. São mulheres inteligentes, com bagagem que, muitas vezes, nos fazem até mudar de opinião. No programa cabem opiniões formadas e aberturas de pensamento".

 

Livro

 

"Em 'Quem vai fazer essa comida?' relaciono alimentação, feminismo e trabalho doméstico, que não é remunerado. A gente sabe que alimentação de verdade previne doenças. Li um estudo que mostra a correlação direta entre consumo de produtos ultraprocessados e mortes. Cinquenta e sete mil pessoas morrem no Brasil. Mas quem faz a comida de panela? É mais barato e prático abrir um pacotinho ou pegar uma lasanha congelada. Principalmente para uma mãe que tem duas jornadas de trabalho e tem que alimentar três crianças. Cozinhar dá trabalho, não dá para romantizar. Mas esse fardo não pode recair novamente no colo das mulheres. É preciso redistribuí-lo. Não só em relação à questão de gênero em casa, mas com a sociedade. Precisamos de mais cozinhas comunitárias, de boa alimentação escolar. Políticas públicas são fundamentais. Discuto isso no livro. Quero que todo mundo coma bem sem sobrecarregar a mulher. É um livro denso, diferente de tudo que já lancei. Trabalha com questões profundas que tocam em feridas da sociedade".

O novo livro de Bela Gil, que sairá pela Editora Elefante: R$ 60 — Foto: reprodução

O novo livro de Bela Gil, que sairá pela Editora Elefante: R$ 60 — Foto: reprodução

Relação aberta e separação

 

"Foi uma resolução boa em termos de convivência, companheirismo. O nosso amor permanece e é o maior presente. Eu e JP nos alinhamos muito nesse lugar de que nos fazemos bem ao outro, da amizade. A gente nunca quis perder isso. Continuamos firmes na parceria profissional e como pais. Uma crítica que chegou quando postei sobre a separação, foi: 'Isso que dá, foi abrir o relacionamento olha no que deu'. O problema é que as pessoas só leem manchete, se não saberiam que foram quase 20 anos de uma relação não monogâmica bem sucedida. Há casais monogâmicos que duram um ano. Tempo não é minha régua para dizer se foi um bom relacionamento ou não. Foi bom independente do tempo em que a gente ficou junto".

 

Namoros e tabus

 

"Não converso com a Flor sobre isso (sobre Bela namorar) porque é algo natural na minha educação e na educação que recebi. Carrego poucos tabus da sociedade. A própria sexualidade da Flor... Ela é super aberta, nunca teve que falar nada para mim. Segue a vida dela do jeito que quiser, fica com quem quiser. É muito gostoso compartilhar esse momento da vida dela, a descoberta da adolescência e como ela se apaixona. Ela diz: 'Mamãe, o que eu faço com fulano, com fulana?'. A gente tem uma cumplicidade muito legal'. Outro dia, perguntaram no Instagram se ela era gay. Ela respondeu: 'Por que escolher um se você pode ter todos?'.

 

Sapiosexual

 

"Nunca me cobrei estar no físico desejável porque esse não é o meu lugar de desejo. A beleza, a estética, o corpo, não são de suma importância para eu me apaixonar. Obviamente, a gente quer se sentir desejada e acho que a maior parte das mulheres hoje acham que só serão se estiverem em um padrão estético vigente. Quando você não cai nessa armadilha... Acho sempre que a pessoa vai gostar de mim pelo que sou e não pelo que aparento. Até posso me atrair fisicamente por alguém, mas seria difícil manter uma relação. Já poderia ter algo longo com alguém por quem me atraio intelectualmente. Para mim, ler um livro é como se eu estivesse pegando peso na academia, como se eu estivesse me alimentando. Porque vou ter mais coisa para falar, dá tesão na vida, amo".

Política

 

"Não consegui aceitar o convite para assumir a Secretaria Especial da Alimentação Saudável (do Governo Lula) por questões pessoais e profissionais. Mas estou colaborando como consultora técnica do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Meu espaço como comunicadora ainda é muito forte, talvez possa alcançar mais gente e fazer mudanças talvez mais tangíveis na vida das pessoas de uma maneira mais eficiente. Mas meu objetivo de vida é democratizar a boa alimentação, fazer com que a comida saudável, agroecológica, orgânica chegue no prato de todos. Tenho vontade de entrar para a política de maneira mais formal, de exercer a política parlamentar. Daqui a 4 ou 8 anos pode ser que isso aconteça. Por que não vejo outra saída para a democratização da alimentação e o combate à fome se não por meio dos programas sociais. O primeiro objetivo é fazer com que todo mundo tenha comida".

 

Reality de sobrevivência

 

"É uma mistura do perrengue do ‘No limite’ com um pouco do conforto e das intrigas de convivência do ‘Big Brother’. Mas a mensagem do programa é que a Humanidade se dá melhor na cooperação que na competição. Há provas e conceitos sustentáveis: as pessoas aprenderiam a plantar sua comida, cozinhá-la, fazer produtos de limpeza, composteira. Práticas que se pode levar para a vida. A gente não quer que quem esteja assistindo se sinta culpado porque não faz nada daquilo e nem se sinta de mãos atadas diante de práticas impossíveis".

 

Documentário

 

“Linka a economia do cuidado com a caça às bruxas, que nada mais é do que o apagamento da mulher e de todo conhecimento esotérico que havia e foi literalmente queimado porque servia de obstáculo para a implementação do capitalismo. O trabalho assalariado não era uma coisa normal, tipo 'começou assim e sempre foi assim'. Houve uma resistência muito forte. Domesticaram mulheres. Disseram ‘agora você vai parir, cozinhar cuidar da casa’. Nos colocaram para fazer todo trabalho necessário para que qualquer outro existisse. Porque ninguém pode filosofar, tocar música ou estudar medicina se a cozinha está suja e a criança, sem banho. O documentário vai mostrar que esse trabalho gera 13% do PIB mundial, ou seja, o maior subsídio do capitalismo, porque se a gente tivesse que remunerá-lo, a conta não fecharia”.

Memes

 

"Eu super agradeço aos memes, eles me fizeram muito bem. Se não fossem eles, metade da população que me conhece, não me conheceria. Tem esse papel de ser rápido, divertido, que chega na boca do povo. Bem ou mal, se as pessoas vêm pelo churrasco de melancia, pela placenta, pela cúrcuma ou pelo inhame, entendem um pouco sobre a importância de uma alimentação boa. Pode achar bom ou ruim, mas sabe minha bandeira. Mas há lados ruins. Como uma mulher preta fazendo churrasco de melancia virei meme, mas se fosse um homem branco chef, seria 'nossa, que ideia, você é um gênio'. E tem a coisa de ser raso. Ninguém aprofunda nada com meme e isso não é bom em tempos de proliferação de fake news".

 

Negritude

 

"Nunca me senti confortável em me reconhecer como uma mulher negra porque sofri muito menos racismo ou preconceito que uma mulher preta mais retinta, mais pobre ou da periferia sofreu. Por isso, demorei a me reconhecer nesse lugar. A geografia, o status social e a pele mais clara me deram privilégios que outras não tiveram. Então, não me sentia no direito. Como se tivesse que sofrer mais para estar nesse lugar. O que é um pensamento muito errado. Poxa, tem que sofrer para se reconhecer preto? Aí, quando o próprio movimento negro me dá o aval dizendo "Bela, é importante que uma mulher preta bem-sucedida como você se reconheça assim, a gente precisa dessas influências positivas", eu falei 'ah, então, tá'".

 

Influência do pai

 

"Meu pai me influenciou sem saber, porque ele comia aquelas comidas macrobióticas. Comecei a praticar ioga na adolescência, ele me deu o livro 'Autobiografia de um iogue", que mudou minha percepção não só da alimentação como de mundo. Com a prática, mudei a minha alimentação. Nada forçado, mas meu corpo falando, uma experiência de autoconhecimento. Quando vi, estava comendo as coisas que ele comia, o arroz integral que eu achava estanho. Lembro que a pessoa para quem eu mais amava cozinhar quando comecei, era meu pai. Porque ele não só entendia porque eu estava fazendo aquelas escolhas, como conhecia e podia dizer se estava bom, se não, como podia melhorar. Gostava de receber as críticas dele porque eram certeiras. Hoje, o prato que ele mais pede no meu restaurante é meu macarrão ao pesto. Ama. Adora queijo parmesão. Mas o meu é vegano. Uso rama de cenoura. Ele disse: 'O que tem aqui de diferente?'. E começamos a elocubrar sobre rama de cenoura (risos)".

Veia artística

 

"Sempre tive a consciência do meu 'não dom' para cantora. Respeitei e fui tocar panela. É lindo ver a Flor desabrochando nesse lugar. Meu pai tem uma relação especial com ela, acho que é por ser a primeira neta e também porque, dos filhos e netos que trabalham com música, ela foi a primeira a despontar tão nova".

 

Preta Gil

 

“Ela está recheada de amor. Temos nosso grupo de Whatsapp porque a família vive espalhada. Preta está fazendo quimioterapia a cada 15 dias, a gente se divide na presença. Ela me pediu aconselhamentos sobre alimentação e indiquei uma nutricionista. Entendeu que alimentação é muito importante para a saúde, principalmente, no caso dela. Pode ajudar junto com o tratamento medicinal alopático. Ela mudou os hábitos, disse que nunca comeu tão bem na vida, está entendendo tudo de rótulos. Digo: ‘Nossa, quem diria’”.

 

Ativismo

 

“Com certeza, muita gente me acha chata, mas não ligo, vou continuar aqui. Desculpa, não tenho paciência. Mas nunca fui de apontar dedos, olhar o prato de alguém e dizer, ‘isso aí tá ruim’. Só falo com quem me pede. Respeito a individualidade de cada um. Me meto na educação dos meus filhos, aí sim, sou mãe chata”.

 

Mãe chata

 

“Postei a merenda da Flor e virou uma chacota na internet, com pessoas dizendo: ‘Que mãe chata, não deixa nada, a criança vai crescer e se revoltar’. Se um adulto dissesse ‘parei de comer açúcar, mudei minha alimentação e estou me sentindo melhor’, as pessoas dariam os parabéns. Já a criança é ‘ah, coitadinha’. É preciso mudar essa cultura de que comida de criança é sinônimo de besteira. Na minha casa não entra porcaria e eu jamais vou oferecer fast food. Mas se minha filha vai a um aniversário, come brigadeiro. Se está com a avó, eu não fico enchendo o saco. Mas a gente tem que ser firme em alguns pontos como educador, impor limite. Talvez meu limite para besteira seja menor do que o da maior parte da população. Minha filha é muito feliz. Meu filho (Nino), outro dia, comeu uma sopa de legumes dizendo, ‘nossa, mamãe, está com gosto de sorvete’. Eles têm gosto para comer legumes, salada, e ficam pouquíssimo doentes. Chegar em casa cansada e minha filha dizer ‘fiz o jantar’ é o maior presente. Não me arrependo de nada. Seria essa mãe chata todas as vezes”.

Mais filhos?

 

"Tenho vontade. Amo ficar grávida parir, amamentar. Nasci para ficar prenha. Mas não estou pronta para passar pela privação de sono de novo. É a única coisa que tenho a reclamar da maternidade".

 

As escolhas de Bela:

 

 

  • Prato preferido: “Farofa… como com tudo e qualquer coisa.”
  • Livro de culinária de cabeceira: “‘Cozinhar’, do Michael Pollan. Ampliou o meu olhar sobre o ato de cozinhar.”
  • Programa de entrevistas: “‘Amigos, sons e palavras’. Não é só porque o meu pai apresenta, mas amo como as conversas se dão de maneira muito natural.”
  • Ingrediente que não vive sem: “Limão. Acho que conserta qualquer prato mais ou menos"
  • Música de que mais gosta: “O disco inteiro ‘Verde-anil-amarelo-cor-de-rosa e carvão’, da Marisa Monte. Foi um dos que mais escutei na vida e sou apaixonada pela faixa ‘Balança pema’. Me remete a muitos momentos alegres da infância.”

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