Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Arthur Azevedo segunda, 04 de outubro de 2021

BARCA (CONTO DO MARANHENSE ARTHUR AZEVEDO)

BARCA 

Arthur Azevedo

 

Há maridos e mulheres, dizem as más línguas, que passam o verão em Petrópolis para fazer das suas à vontade. Não sei se é isso exato quanto às mulheres; quanto aos maridos, tenho certeza de que o é.

 D. Senhorinha, esposa exemplar, exemplaríssima, era casada com um negociante rico, o João Saraiva, que todos os anos, em fins de novembro, dava com ela em Petrópolis até abril, sob pretexto de que a cidade do Rio de Janeiro se tornava inabitável durante a canícula.

 O que ele queria era estar como o boi solto que, segundo o rifão, se lambe todo. Havia na Rua do Riachuelo uma francesa que lhe dava volta ao miolo e constantemente o obrigava a perder a barca.

 Nessas ocasiões, D. Senhorinha recebia sempre um telegrama, e acreditava, coitada, porque tinha a mais cega confiança no marido, e sabia que ele era muito ocupado. Por fim, João Saraiva tantas e tão repetidas vezes perdia a barca, por este ou aquele motivo, que marido e mulher resolveram adotar uma palavra convencional para cada vez que isso acontecesse. Adotaram a palavra "barca".

 

* * *

 

Uma vez, D. Senhorinha, ali por volta das 2 horas da tarde, bocejava na sua solidão petropolitana, quando lhe levaram um telegrama.

 Ela abriu-o um pouco sobressaltada, pois o marido não costumava telegrafar àquela hora, e qual não foi a sua surpresa vendo que o telegrama dizia simplesmente: "Barca".

- Não pode ser! pensou D. Senhorinha. A barca sai da Prainha às 4 horas e são apenas 2! Com duas horas de antecedência meu marido não podia adivinhar que perderia a barca! Aqui há coisa.

 

* * *

 

Naquele dia o marido não apareceu em Petrópolis, e no dia imediato, quando a senhora lhe pediu uma explicação, ele não se atreveu a dizer-lhe que o progresso agora era tal que os telegramas chegavam ao seu destino antes de mandados, ou que houvesse duas horas de diferença entre o meridiano do Rio de Janeiro e o de Petrópolis.

 João Saraiva deu a D. Senhorinha uma razão esfarrapada, que ela fingiu aceitar, e na manhã seguinte entrou furioso no escritório, dirigindo-se imediatamente a um dos empregados.

- Ó seu Barros, a que horas você passou anteontem aquele telegrama?

 - Logo que o senhor m'o deu.

- Fê-la bonita! Pode limpar a mão à parede! Pois eu não lhe disse que só o passasse depois das 4 horas?

- Disse, disse; mas como tive que ir lá para os lados do Telégrafo, julguei que não houvesse inconveniente.

- Ora valha-o Deus, seu Barros! Você deu cabo da minha tranqüilidade doméstica.

 

* * *

 

D. Senhorinha desceu imediatamente de Petrópolis e nunca mais quis saber de vilegiaturas, receando que o marido continuasse a perder a barca.


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