Eu sou multidão”, diz Bárbara Paz, mais de uma vez, durante uma conversa de quase duas horas por chamada de vídeo. A afirmação que ela emprega para contextualizar diversas situações tem tudo a ver com as trilhas percorridas nos últimos tempos pela atriz gaúcha, de 46 anos.
A começar pela consagração do documentário “Babenco — Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou”, dirigido por ela, em tributo ao cineasta argentino Hector Babenco (1946-2016), com quem estava casada desde 2010. “Depois da campanha para o Oscar (o filme foi o representante do Brasil na disputa pela indicação de melhor filme internacional em 2021), voltei para Bahia, onde passei parte da primeira fase da pandemia. Cumpri minha missão ‘babenquiana’. Nunca poderia imaginar tanto sucesso”, diz.
A leveza está sendo exercitada à frente e atrás das câmeras. Como atriz, acaba de filmar “A porta ao lado” e está no elenco da novela das seis “Além da ilusão”, que sucederá “Nos tempos do imperador”. Como diretora, toca diversos projetos. “Quero fazer um filme sobre a minha vida”, avisa. A multiplicidade também se reflete na maneira de se enxergar no mundo. Em maio, declarou no podcast “Almasculina” se identificar como uma pessoa não binária, que não se enquadra na definição dos gêneros masculino e feminino.
Confira os melhores trechos da entrevista em que Bárbara fala também sobre orientação sexual e maternidade.
O GLOBO: Recentemente, você declarou ser uma pessoa não binária. Pode explicar melhor?
Não foi uma revelação e, sim, uma constatação. Sempre fui uma mulher masculina na minha expressão, na maneira como me mostro à sociedade, uma mistura de gêneros. Também sempre me senti parte da comunidade LGBTQIAP+ e nunca segui padrões heteronormativos. Conversando com um amigo sobre isso, descobri a palavra não binário, e disse: “Acho que me encaixo aí”. Tem pessoas que precisam fazer a transição ou para o masculino ou para o feminino, e outras que convivem bem com os dois, que é o meu caso. Não vou mudar nada, gosto do meu corpo e estou bem resolvida com a minha mulher e com o meu homem. Não imaginava tanta repercussão. Entendi como a comunidade precisa de voz. Se ajudar quem está sofrendo com isso, vou me sentir honrada. A minha fala não tem a ver com orientação sexual. Sempre me apaixonei por homens. Mas não vou me definir, sou multidão e não quero me fechar.
Já se apaixonou por uma mulher?
Não, sempre por homens. Namorei com alguns mais velhos e outros mais jovens. Mas se acontecer de me apaixonar por uma mulher, que lindo, maravilha, está tudo certo. Gosto e me apaixono por pessoas e estou aberta para o mundo. Aliás, estou livre e louca para voar. O universo está lá fora me esperando.
Assim como Babenco, que lutou contra o câncer durante 30 anos, você é uma sobrevivente. Como lidavam com essa identificação?
Quando a gente se encontrou, falou muito sobre isso. Esse lugar, o da sobrevivência, nós dois sabíamos como era. Ele dizia: “Estou me vendo em você”. Eu, naquela época, estava com 30 e poucos anos e queria me acalmar, já ele ansiava por mais energia. Realizamos muita coisa. Nosso processo de relacionamento foi vida e obra juntos. Eu trouxe mais tempo e vida para ele. Sem querer, a gente se ajudou e foi dançando conforme a música. Hector tinha certeza das minhas incertezas. E falava: “Você pode mais do que imagina”. Quis deixar registrado, por meio do “pacote Hector”, que inclui o longa, o curta “Conversa com ele” (emqueo médico Drauzio Varella trava uma conversa imaginária com o cineasta) e o livro (“Mr. Babenco: Solilóquio a dois sem um”), como ele regeu a doença e a morte, como adiou a morte. O amor que Babenco tinha pela vida era absurdo, o mesmo que vi na minha mãe e que também tenho.