Preterido pela comissão que escolhe o filme brasileiro para concorrer a finalista de melhor filme internacional no Oscar 2020 — a opção foi por “A vida invisível”, de Karim Aïnouz —, “Bacurau” vai disputar a indicação ao prêmio da Academia em outras categorias na corrida de 2021. A iniciativa é da Kino Lorber, a distribuidora americana do longa-metragem dirigido pelos pernambucanos Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, ganhador do prêmio do júri do Festival de Cannes do ano passado.
Estrelada por nomes como Sonia Braga e Udo Kier, a produção estreou em Nova York em 6 de março deste ano, antes de a pandemia determinar o fechamento das salas físicas e empurrar novos lançamentos para a internet. De acordo com as regras da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, são elegíveis ao Oscar as produções estrangeiras que ficaram em cartaz em Los Angeles durante ao menos uma semana do ano vigente —e desde que não tenha ficado entre os cinco finalistas da categoria de melhor produção internacional no ano anterior.
Assim, “Bacurau” pode concorrer a todas as categorias do maior prêmio de cinema do mundo — inclusive ao de melhor filme, principal meta da distribuidora americana, que está atenta à tendência sinalizada pelas regras anunciadas para os próximos anos, que têm objetivo de levar mais diversidade à festa.
— Tenho uma visão muito tranquila em relação a Oscar, a Cannes, a prêmios, enfim — diz Mendonça Filho. — Nunca me adianto, sempre espero o que vai acontecer com o filme, mas vou aonde ele for.
Nas listas de melhores da temporada
Lançado no circuito brasileiro em agosto de 2019, “Bacurau” atraiu mais de 800 mil pagantes, além de conquistar inúmeros prêmios em festivais internacionais ao logo de todo o ano, após sua estreia em Cannes, em maio. O thriller sobre uma pequena comunidade no sertão brasileiro assombrada por fenômenos estranhos, que colocam em risco a sua própria existência, ganhou nova força a partir de sua estreia nos Estados Unidos e em praças importantes na Europa. Desde então, ele tem figurado na lista dos melhores filmes do ano — e, portanto, potenciais concorrentes ao Oscar — de muitas publicações, com os jornais “The New York Times” e “The Guardian”, as revistas “Vanity Fair” e “Esquire”, e o site de entretenimento “Indiewire”.
— Tomamos essa decisão (de inscrevê-lo no Oscar) quando “Bacurau” começou a aparecer em muitas listas de melhores da temporada — confessa Wendy Lidell, diretora executiva da Kino Lorber, companhia que tem em seu catálogo produções premiadas como “Uma mulher alta”, do russo Kantemir Balagov, vencedor da mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes; e “Synonymes”, do israelense Nadav Lapid, ganhador do Urso de Ouro do Festival de Berlim.
Ano de menos lançamentos
Ela assume que também foram “particularmente encorajados” pela perspectiva de um número menor de lançamentos este ano, com menos competição.
— Isso mudou com as alterações nas regras de elegibilidade, mas “Bacurau” ainda é um grande filme, um dos dez mais elogiados do ano.
Em função da crise sanitária, a Academia alterou temporariamente suas normas para incluir lançamentos em streaming, e estendeu a data-limite para 28 de fevereiro de 2021. O calendário da 94ª edição também mudou: os indicados saem dia 15 de março e a premiação acontece em 25 de abril.
Mês passado, os organizadores anunciaram que, a partir da edição de 2025, todas as produções postulantes ao Oscar de melhor filme precisarão ter um número mínimo de profissionais de minorias étnicas em suas equipes, ou abordar diretamente temas que afetem esses grupos.
Foi mais um passo no sentido de diversificar e internacionalizar o seu colegiado, iniciado em 2015 com o movimento #OscarsSoWhite, que criticava a ausência de atores e atrizes negros indicados às principais categorias do prêmio. Este ano, a Academia convidou mais 819 profissionais do cinema como sócios — dos atuais nove mil membros hoje, 45% são mulheres, 36% pertencem a minorias étnicas ou raciais, e 49% são estrangeiros, de 68 países.
O fator ‘Parasita’
O feito inédito de “Parasita”, do sul-coreano Bong Joo-ho, no Oscar deste ano, pode ser considerado uma vitória dessa diversificação: a primeira produção de língua não inglesa a ganhar a cobiçada estatueta de melhor filme também levou os troféus de melhor filme internacional (a antiga categoria de “filme estrangeiro”), direção e roteiro. Também a partir de 2020, a Academia fixou em dez o número de finalistas para o seu principal prêmio, o que amplia as chances de produções estrangeiras no páreo.
— Depois da vitória de “Parasita” e das crescentes reformas da Academia visando a uma internacionalização do prêmio, achamos bem provável que haja pelo menos um longa não americano indicado ao Oscar de melhor filme. Pretendemos que essa vaga seja de “Bacurau” — argumenta Wendy, que também destaca a universalidade dos temas abordados na produção. — No momento em que governos ao redor do mundo estão tendendo ao autoritarismo, a visão de uma comunidade diversa, mas unificada, levantando-se para se defender (e vencer!) ecoa profundamente. Embora tenha sido feito e lançado antes dos atuais protestos do movimento Black Lives Matter, a visão de Kleber e Juliano certamente explodiu em todo o mundo.
Restam alguns meses para saber se “Bacurau” será bem-sucedido em concorrer nas categorias principais. Mendonça Filho, por enquanto, prefere não criar expectativa.
— Por mais que as pessoas deem uma atenção gigantesca ao Oscar, e entendo a sua força, no final das contas é algo totalmente externo à minha vida e ao meu trabalho. Mas apoio o empenho da Kino Lorber, se o filme precisar da gente, eu, o Juliano e a (produtora) Emilie (Lesclaux) estaremos lá para apoiá-lo — diz o diretor, que viu seu nome ligado de alguma forma ao prêmio americano por duas vezes: quando “O som ao redor” (2013) foi indicado para representar o país na disputa de produção estrangeira, e quando “Aquarius” (2016) perdeu a indicação brasileira para “Pequeno segredo”, de David Schurmann, em decisão que gerou polêmica.