Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Marcos Mairton - Contos, Crônicas e Cordéis quarta, 18 de janeiro de 2023

AVES PRETAS E POETAS (CRÔNICA DE MARCOS MAIRTON, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AVES PRETAS E POETAS

Marcos Mairton

É grande e justa a fama do poema de Edgar Allan Poe, “O Corvo” (The Raven), de 1845.

Um poema narrativo, cheio de suspense e mistério, que fala de um insólito encontro entre alguém que está sozinho em casa, em uma noite fria de dezembro, e a ave, que chega de surpresa.

Tendo sido vertido para vários idiomas, conta com traduções para a língua portuguesa assinadas por ninguém menos que Fernando Pessoa (clique aqui para ler) e Machado de Assis, em O Corvo

Mais recentemente, na década de 1970, nosso saudoso conterrâneo Belchior juntou Allan Poe com Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga, ao por o Corvo na companhia do Assum Preto, em sua canção “Velha roupa colorida”:

Como Poe, poeta louco americano
Eu pergunto ao passarinho
Black bird, assum preto, o que se faz?
Raven, never, raven, never, raven, never, raven, never, raven
Assum preto, pássaro preto, black bird, me responde: Tudo já ficou atrás
Raven, never, raven, never, raven, never, raven, never, raven
Black bird, assum preto, pássaro preto, me responde:
O passado nunca mais.

Pois também eu me inspirei no Corvo, ao encontrar, empoleirada no telhado da minha casa, outra ave. Também preta, também misteriosa.

 

O URUBU

Inspirado no poema “O Corvo” (The Raven), de Edgar Allan Poe

Certo dia, numa tarde ensolarada,
Regressava ao meu lar, minha morada.
Quando, ao chegar à frente do portão,
Surpreendeu-me a insólita visão
De um grande e majestoso ser alado.
Que, ali, postado ao topo do telhado
— a um só tempo, próximo e distante —
Como estátua, das que habitam os portais,
Em silêncio, sério, sóbrio e elegante,
Olhava-me apenas, e nada mais.

Observando a imponente figura,
Com sua plumagem quase toda escura,
Veio-me a ideia de que aquela imagem
Bem poderia ser a de um personagem,
Já conhecido, de outro tempo e lugar.
Lembrava eu, então, do corvo de Edgar.
Que em sua casa, entrou, num certo dia,
De ventos frios, quase glaciais.
E às perguntas do poeta respondia
Sempre a resposta mesma: “Nunca mais!”

Imaginei, mas só por um momento
Fez-me sentido aquele pensamento,
De que a ave sobre o meu telhado
Fosse o corvo em versos retratado
Pelo famoso poeta americano.
Rapidamente, reparei o engano,
Pois que lembrei, olhando o céu azul,
De um detalhe sobre esses animais:
Corvos não há na América do Sul,
Se um dia houve, hoje não há mais.

Assim, ficou, de plano, esclarecido,
Que a ave que houvera ali surgido
Não era corvo. E, de fato, a olho nu,
Bem se via se tratar de um urubu.
Um urubu que, abrindo suas asas,
Sobrevoou, decerto, muitas casas,
Até que veio a pousar na minha,
Muito embora ali houvesse outras tais.
Um urubu, que não se sabe de onde vinha,
Simplesmente estava ali, e nada mais.

Mas, mesmo resolvida essa questão,
De que a ave ali pousada não
Seria o corvo, o corvo tão famoso,
Continuei intimamente desejoso,
De que o ser, de tão escuras penas,
Não fosse um simples urubu, apenas,
Mas uma ave que então respondesse
Minhas perguntas, quem sabe outras mais.
Que eu, depois, em versos escrevesse
Ainda que somente repetindo: “nunca mais”.

Pensando assim, passei a indagar:
Ó, ave misteriosa, podes me falar
Do que tens visto quando estás voando?
Ou do que chega aos teus ouvidos quando
Planas tranquilo em grandes altitudes?
Conta-me, pois, se entre tuas virtudes
Está a generosidade de dizer
Aos que não voam – como nós, pobres mortais –
Coisas que somente hão de saber
Os que alcançam altitudes colossais!

Mas o urubu calado permanecia.
Se tinha algo a dizer, não me dizia.
Talvez guardasse íntimos segredos,
Talvez apenas escondesse medos,
Por estar pousado, e não voando.
Enquanto eu, já me impacientando,
Deixei transparecer que era presa
De um dos sete pecados capitais:
“Fosse eu poeta de maior grandeza,
Tu certamente falarias mais!”.

Mas até o meu insulto foi ignorado.
E o urubu permaneceu calado.
Ao contrário do corvo, em Baltimore,
Que respondia sempre “nevermore”
A cada indagação de Edgar.
Conformei-me, desisti de perguntar.
E, amuado, me calei também.
E, sem dizer sequer um “nunca mais”
Parecendo mesmo demonstrar desdém,
A ave foi-se em ventos termais.

Passou o tempo e esqueci o ocorrido
Até que um dia tudo fez sentido:
Não foi por má educação ou desrespeito
Que o urubu se comportou daquele jeito.
Explico: anos depois fiquei sabendo,
Em obra de ornitologia que andei lendo,
Que, na verdade, por não ter siringe,
– órgão das aves, de funções vocais –
Permanecia a ave, tal qual uma esfinge,
Em seu silêncio, sem falar jamais.

 

 


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