Era para ser um 2020 de festão. Áurea Martins ia celebrar seus 80 anos com um presente: lançaria no dia do aniversário, hoje, seu disco com o pianista e compositor Cristovão Bastos com show no Teatro Rival. Veio a pandemia, o projeto foi adiado, e a cantora está quieta em casa, como tem que ser. Cada um reage de um jeito, e o de Áurea é sempre o de olhar para frente.
A meta virtual é exagerada, mas não duvide. Áurea vive sozinha, nunca teve computador, mas sua desenvoltura nas redes chama atenção faz tempo (as postagens têm até bordão, “bendita insônia”, acompanhando um vídeo de música na madrugada). A experiência nas lives ela vem praticando bem desde o início da quarentena. Hoje às 17h fará sua primeira “solo”. Em seguida, às 21h, participa da do cantor Alcides Sodré (que vem prestando tributo a ela ao longo da semana). E às 22h começa a de Teresa Cristina, hoje toda dedicada a Áurea.
A homenagem não é à toa. Quando a veterana aparece na live da Teresa, o que é recorrente, a anfitriã se emociona, Caetano Veloso escreve que sua voz o faz chorar, os comentários explodem.
— A Áurea é uma rainha, tem uma voz de uma verdade muito evidente, que acaba com a gente — diz Teresa, lembrando ainda como ela é boa de timing, chegando sempre com um sorriso, cantando uma música, e logo abrindo espaço para outro convidado. — São 50 anos de noite, sabe, passou por muita história. E está aí, firme e generosa, cheia de projetos.
Observadora ela sempre foi. E atenta às oportunidades. Cria de Campo Grande, já tinha dez anos de experiência como cantora de bailes no subúrbio, ao lado dos tios músicos, quando aventurou-se em 1969 em concorrer no programa “A grande chance”, de Flávio Cavalcanti, na TV Tupi. No júri, nomes como Bibi Ferreira, Nelson Motta e Maysa. Esta última tornou-se uma espécie de madrinha, após lutar para que Áurea ficasse com o primeiro lugar.
Ali ainda se chamava Áldima. Nome e sobrenome artísticos vieram da cabeça de Paulo Gracindo. Com o prêmio de “A grande chance”, gravou seu primeiro disco em 1972, com acompanhamento do Tamba Trio, arranjos de Luiz Eça e participação de Paulo Mendes Campos.
Elizeth na plateia
A vida continuou na noite, como crooner. Como não bebe nem fuma, atribui a voz enrouquecida à fumaça consumida involuntariamente. Nos anos 70, era figurinha fácil nas boates do Leblon, tantas vezes com Elizeth Cardoso na plateia. Depois na Lapa, onde intrigava Hermínio Bello de Carvalho.
— Eu ia vê-la cantar, ficava embevecido. Mas a noite meio que esmaga as pessoas. A música não é o prato principal. Quando Áurea cantava, havia uma parcela do público que entendia e se deslumbrava. Mas eu via parte daquilo se perder. Então me ofereci para produzir um disco dela.