ASSUNTO PARA UM CONTO
Arthur Azevedo
Como sou um contador de histórias, e tenho que inventar um conto por semana, sendo, aliás, menos infeliz que Scherazada, porque o público é um sultão Shariar menos exigente e menos sanguinário que o das Mil e Uma Noites, sou constantemente abordado por indivíduos que me oferecem assuntos, e aos quais não dou atenção, porque eles em geral não têm uma ideia aproveitável.
Entre esses indivíduos, há um funcionário aposentado que, na sua roda, é tido por espirituoso, o qual, todas as vezes que me encontra, obriga-me a parar, diz-me, invariavelmente, que estou ficando muito preguiçoso, e, com um ar de proteção, o ar de um Mecenas desejoso de prestar um serviço que, aliás, não lhe foi pedido, conclui, também invariavelmente:
– Deixe estar, que tenho um magnífico assunto para você escrever um conto! Qualquer dia destes, quando eu estiver de maré, lá lh'o mandarei.
Há dias, tomando o bonde para ir ao Leme espairecer as ideias, sentei-me por acaso ao lado do meu Mecenas que, na forma do costume, começou por invectivar a minha preguiça, e prosseguiu assim:
– Creio que já lhe disse que tenho um assunto para o amiguinho escrever um conto...
– Já m'o disse mais de vinte vezes!
– Qualquer dia lá lh'o mandarei.
– Não! Há de ser agora! O senhor tem me prometido esse assunto um rol de vezes, e não cumpre a sua promessa. Nós vamos a Copacabana, estamos ao lado um do outro, temos multo tempo.... Venha o assunto!...
– Não; agora não!
– Pois há de ser agora, ou então convenço-me de que tal assunto não existe, e o senhor mentiu todas as vezes que m'o prometeu!
– Ora essa!
– Sim, que o senhor tem feito como aquele cidadão que prometia ao Eduardo Garrido, todas as vezes que o encontrava, um calembur para ser encaixado na primeira peça que ele escrevesse. Até hoje o Garrido espera pelo calembur!
– Eu tenho o assunto do conto – explicou o Mecenas–, mas queria escrevê-lo...
– Para quê? Basta que m'o exponha verbalmente.
– Então, lá vai: é a história de uma herança falsa, um sujeito residente na Espanha escreve a outro sujeito residente no Rio de Janeiro uma carta dizendo que morreu lá um homem podre de rico, chamado, por exemplo, D. Ramon, e que esse homem não deixou herdeiros conhecidos: a herança foi toda recolhida pela nação; mas o tal sujeito residente na Espanha, que é um finório, manda dizer ao tal sujeito residente no Rio de Janeiro, que é um simplório, que existem aqui herdeiros, cujos nomes ele não revelará ao simplório sem que este mande pelo correio tantas mil pesetas. O simplório manda-lhe o dinheiro, e fica eternamente à espera dos nomes dos herdeiros. – Que tal?
– Muito bom!
– Você não acha aproveitável este assunto?
– Acho-o magnífico, interessantíssimo, espirituoso! Tanto assim que vou escrever o conto e publicá-lo no próximo número d'O Século!
– Ora, ainda bem! Quando lhe faltar assunto, venha bater-me à porta: o que não me falta é imaginação!
– Muito obrigado; não me despeço do favor.
Como vê o leitor, aproveitei o assunto do imaginoso Mecenas.