Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Poemas e Poesias segunda, 09 de maio de 2022

AS MULHERES - RECORDAÇÕES DE UM VELHO (POEMA DO PORTUGUÊS JÚLIO DINIS)

AS MULHERES
(RECORDAÇÕES DE UM VELHO)

Júlio Dinis

 

Tenho oitenta anos contados Dos meus cabelos nevados Bem poucos me restam
já;
Tem-me ido até agora a vida
D’amor pr’amor impelida,
Até quando… Deus dirá.

Tinha dez anos apenas, E já nas tardes serenas,
Ao declinar do calor,
Me agitava o pensamento
Como agita as flores o vento
Uma idéia só — amor.

Na aldeia em que eu residia
Defronte de mim vivia
Quem tal amor me inspirou.
Uma criança era ainda,
Porém nunca flor tão linda
Os olmedos enfeitou.

Uma manhã, como a visse
Junto de mim, eu lhe disse
Coisas que me lembram mal;
Ela, ao passo que me ouvia,
Baixava os olhos, sorria…
E deu-me um beijo, afinal

E desde então por diante
Fiquei sendo seu amante
E fui amado também.
À sombra dos arvoredos, Dizíamos mil segredos,
Que nunca entendemos bem.

Tempos assim decorreram, Felizes tempos que eram!
‘Té que pra cidade eu vim. Chorámos na despedida
Mas supondo-se esquecida, Ela esqueceu-se de mim.

Outra vida, outros amores
Da cidade entre os fulgores,
Tinha quinze anos, amei.
Era uma virgem trigueira
Olhos negros, prazenteira,
Doido por ela fiquei.

Os livros abandonava, Horas e horas passava Com ela, sem o sentir; Meu tio
franzia a testa, Porém, à hora da sesta, Costumava ele dormir.

Ia então pra junto dela, Chamava-lhe meiga, bela,
E o que é costume chamar. Ela ouvia-me, corava,
Na costura continuava
E deixava-me falar.

Duma vez, pedi-lhe um beijo, Ela mostrou algum pejo,
Mas enfim… sempre mo deu ; Atrás deste, outros vieram
E o bem que me eles souberam
Nunca depois me esqueceu.

Mas numa noite de festa, Para mim noite funesta,
Todo este amor se extinguiu; Toda esta nossa ternura,
Que eu julguei de tanta dura, A um capricho sucumbiu.

Todos no baile dançavam, E às valsas se entregavam Com furor;
faltava eu só. Como dançar não sabia, Para um canto me
metia, Triste que fazia dó ;

Ora, é coisa bem sabida, Que a dança cá nesta vida,
Não se dispensa a um rapaz; Adeus amores, se não dança…
Neste mundo mais alcança Quem mais cabriolas faz.

Por não dançar, fui deposto E, como após um Sol-posto,
Se levanta um novo Sol.
O que pr a par a tirara
Logo ali me arremessara
Dos esquecidos para o rol.

Fiquei livre; mas em brev e
A minha cabeça leve
Me envolveu noutra prisão.
Estava escrito em meu destino
Que havia de errar sem tino
De afeição em afeição.

Tinha vinte anos. Um dia Pra ver se me distraía Num teatro me meti;
Mal no palco os olhos prego Que perdi o meu sossego Desde logo conheci.

Estremeci de surpresa
Ao contemplar a beleza
Com que brilhava uma actriz!
Perdido fiquei a vê-la!
Nunca vi mulher tão bela!
Nem uns olhos tão gentis!

Cai o pano, as palmas soam
E por toda a parte ecoam
De poetas mil canções.
Tudo isso me revela
Que a muitos os olhos dela
Incendiaram os corações.

Abandono a sala, corro, Quero vê-la, senão morro, Quero ver
os olhos seus, Quero dizer-lhe que a adoro
E que em chamas me devoro, Contar-lhe os tormentos meus.

Entro no palco, perdido, Doido de todo… varrido, Vejo-a, lanço-me
a seus pés.
Disse amá-la como um louco, E, como achasse isto pouco, Repeti-lho
muita vez.

Ela olhou-me com um sorriso, Como nem no paraíso
Um sorriso assim se vê ;
— «Se tem um amor como o pinta,
Que o futuro o não desminta.» Me disse ela. — E tenha fe.

Voltei para casa exaltado Quase meio embriagado, Coisas que o amor produz.
Mas dormir debalde tento, Impede-me o pensamento, Toda a noite olho não
pus.

Já quarenta anos eu tinha Quando, por desgraça minha, Tornei
no engodo a cair;
Foi uma rica matrona
Que me meteu nesta fona
Donde me custou a sair.

Viúva de três maridos, Tinha intentos decididos
De ainda mais outro matar.
Se a pensar nisto me ponho,
Um destino tão medonho
Me faz hoje arrepiar!

Mas enfim o amor é cego
E amava-a, não o nego,
A razão não a sei eu.
Por isso talvez influísse
Pra cair nesta doidice
O que ela tinha de seu.

Fiz-lhe um dia três sonetos, Falei-lhe nos meus afectos, Ela ao lê-los
me sorriu.
E, respondendo-me em presa, Prometeu ser minha esposa
E um beijo me permitiu.

Com ela as tardes passava, Em sua casa merendava
Chá com leite e pão-de-ló. Jogava-se à noite o
quino
E aturava-lhe o menino
Com paciência de Job.

Nada mais apetecendo, Assim íamos vivendo
Um com outro em santa paz; Já se marcava o momento Para o nosso casamento…
Quando tudo se desfez.

Foi o caso que num dia
Chegou, vindo da Baía, E lhe lançou o anzol,
Um ricaço brasileiro,
Que cheirando-lhe a dinheiro,
Casou ele e pôs-me ao sol.

Causou-me um vivo desgosto
Ver-me assim, sem mais, deposto
Por este sensaborão…
Mas então? Tinha dinheiro,
Em brev e o vi Conselheiro
E pouco depois Barão.

Abandonar os amores
Que se pra os mais só tem flores
Eu por mim poucas lhe vi.
Jurei, mas quis meu fadário,
Que a cruz levasse ao Calvário,
Que remédio obedeci.

Já no inverno das idades Eu entrava, e as verdades, Que então
a vida nos diz,
Pra mim não se revelavam, Os cabelos me nevavam Quando eu outra asneira
fiz.

E desta vez o objecto Do meu sensível afecto E das minhas afeições
Era uma velha provecta E que já inha uma neta
Capaz de inspirar paixões.

Chamei-lhe rola, gazela, Comparei os olhos dela Com as estrelas dos céus.
Ela, como bem-criada,
Não só não ficou calada
Mas disse o mesmo dos meus

Uma noite, à luz da Lua Eu… beijei-lhe a face sua A sua enrugada
tez.
E ela a modo que gostava, Mostrou que não estranhava, Pois nem corada
se fez.

Tinha, sim, ela um defeito? Mas no mundo, amor perfeito Só em flor,
é que se vê.
É que, por mais que eu teimava,
Nunca ela se deixava
De me tratar por você!

Era destas formosuras
Que é melhor ver às escuras
Que na presença de luz.
Quantas mais trevas a cobrem
Mais dotes se lhe descobrem
E mais amor nos seduz.

Já o Verão principiava
E com ele começava
O tempo dos arraiais;
Quis que a uma acompanhasse
E como tal recusasse
Deixou-me pra nunca mais.

Se há caprichos nesta idade, Como é que havê-los não
há-de Na estação juvenil?
A mulher é caprichosa
Como é fragrante a rosa
E florido o mês de Abril.

Livre, fiquei com a rosa Livre, como a mariposa Como a rã pelos pauis;
Fiquei livre como os ventos
Que espalham nuvens aos centos
Pelos espaços azuis.

Já do que tendes ouvido. Podeis ver como Cupido Se fez comigo taful.
E, com um gênio assim feito, Para viver tinha jeito
Num serralho de Istambul.

E pr a que tudo vos conte Dir-vos-ei que aqui defronte Descobri esta manhã
Uma velhinha sem dentes
Muito rica e sem parentes 1
Vou requestá-la amanhã.

Porém eu cá já estou certo
Que, apesar dos cem bem perto,
Caprichos ela há-de ter.
Mas, embora, paciência,
Da mulher é essa a essência…
O que se lhe há-de fazer?

E mal pr a eles iria
Se lhes desse na mama
Seus caprichos desterrar.
Crede, meus alvos cabelos
Um dos seus dotes mais belos
É mesmo esse caprichar.


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